domingo, 22 de novembro de 2009

A última bala...



Eu sempre tive uma queda por mulheres uniformizadas.
Vai dizer que uma enfermeira ou aeromoça nunca fez parte de seus sonhos?
Pois é, quando vi Rosicléa de peito estufado – tal qual um peito de pombo -, colete à prova de balas dependurado naquela bela carcaça, mãos nos quartos ladeando o trabuco e um vermelho batom nos lábios carnudos, desfilando por entre as mesas do mercado, onde, naquela tarde de sábado, eu dividia um maravilhoso arrumadinho de charque e algumas cervejas com amigos, disse a mim mesmo:
– Ainda dou um trato nessa morena! – e não errei.
Sabe como é né, ponteei-a daqui, dali, troquei olhares, sorrisos discretos e, num sábado desses, alcancei o meu intento.
Rapaz, não foi fácil não. Ela se achava a última bala. Mas, com jeitinho, não tem mulher durona que não baixe a guarda. E não deu outra! Ela foi minha, quer dizer... Quando estava bem instalado na cama dela, no cafofo dela, não é que começou um tiroteio nas redondezas?! Aí o dever falou mais alto e ela partiu, sem dizer adeus, para cumprir fielmente o mister de proteger a população. Nunca mais a vi, nem a tive em meus braços...
Uma última bala a atingiu em cheio. Pelo lado, em seu flanco desprotegido. Só foram me encontrar algemado ao espelho da cama depois dos três dias em que ela ficou na UTI e lhe foram buscar roupas para o velório. Claro que permaneci ao seu lado até que descesse à última morada.
Pelo menos eu posso dizer que perdi o emprego por causa de uma mulher... Quem disse que eu tive coragem de contar o que realmente aconteceu? Melhor deixar pra lá, não é mesmo?
E ainda ganhei a fama de viúvo da heroína...
Aí, sabe como é que é né, uma desavisada aqui, outra ali, a gente conta uma história triste, enfeita a coisa, pede colinho, faz cara de pobre moço, desamparado... Vale tudo. Menos algemas, é claro!

Há penas...

Rapaz! Pense numa saia justa que passei dia destes...
Descobri que tinha um amigo resignado em ser um ex-gay.
Explico! Ele estava disposto a reverter o negócio. Quer dizer, deixar a irmandade. Ah, você diz fraternidade? Bem, deve ser porque conhece melhor a coisa do que eu. Mas, convenhamos: isso não é de maior interesse agora. Abafa o caso!
Até que ele vinha bem na fita. Tinha deixado de fazer mechas acaju no cabelo, já não malhava por horas só pra espiar pros lados e já tinha desistido das baladinhas exclusivas nos apês de Boa Viagem. Ele até tinha me convencido a acompanhá-lo a um terapeuta – dessas coisas que a gente só pede a um amigo em quem confia muito. Fiquei lisonjeado pacas! –, mas teve uma recaída.
Foi no domingo passado. Íamos pela “avenida” em direção ao Recife Antigo. Encontraríamos amigos em um café. Não nos lembramos do que teria lugar por lá naquelas horas. A parada, muito movimentada, estava a dez mil, como dizia ele nos tempos de outrora. Foi necessário apenas que ele rememorasse a efusiva alegria do colorido arco-íris que ele saltou do carro e liberou geral.
Afinal, onde há penas, há penas...
E, por vezes, galinhas. Ou melhor, frangos depenados. Fazer o quê?

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Bobinho...


Dizem que as coisas acontecem porque tinham que acontecer, porque estava escrito nas estrelas ou coisa do gênero. Podem acreditar! Não existe verdade maior em toda a face da Terra, nem em todas as galáxias. Quando as coisas, ou melhor, os astros conspiram, nada pode, mas nada mesmo, força nenhuma pode antagonizar em intensidade, impedir... Como dizia minha santa avozinha: – É o destino, é o destino...
E foi assim que tudo aconteceu...
Eu era amigo de carne e unha, se bem que mais de unha que de carne, de Lili, a mais fogosa dançarina do “La Touche”, a melhor e mais bem frequentada casa de shows de toda a região. Alta, loura – oxigenada, como as demais, é claro! –, pernas torneadas, emolduradas por finíssimas meias 7/8, seios semi-rígidos, vigorosamente suportados por espartilho, de couro preto, brilhante, como se acabasse de ser lubrificado. Errr..., quero dizer, lustradíssimo! Coisa de profissa.
Ela era pura sedução! Que homem não gostaria de por as mãos naquele corpão?!? E eu tinha a felicidade de dormir com ela quase todos os dias. Eu disse: quase!
Dividíamos a kitinete que o senador mantinha pra ela bem no centro da cidade, distante de todos os olhares curiosos. Éramos inseparáveis. Quase! Com exceção àqueles dias em que o guarda costas do todo-poderoso senhor da Lili, um brutamontes, me expulsava dali, para que partilhassem de alguns momentos de privacidade.
Ao final de tudo, coitada, ela ficava ali, jogada, consumida. Ele nos deixava algum dinheiro na mesinha de cabeceira e ia embora com ares de animal saciado. E ela, infeliz, sentia-se a última das mulheres, a pior delas. Afinal, tudo o que ela mais queira era sair dali, talvez para o apartamento dele, à beira-mar. Então, como seu fiel amigo e conselheiro, eu tentava trazê-la de volta à realidade. Melhor aquilo que pastorear cabras esqueléticas pelos tórridos sertões de onde viera.
Ela se recolhia, chorava, borrava a maquiagem, que por vezes espalhava com furor pelo rosto, até encontrar repouso, outra vez, em meus braços, que estavam sempre ali: reconfortantes e acolhedores, como ela mesma dizia. Eu a levava para o banho, fazia uma comidinha esperta e, por vezes, devolvia-lhe o sorriso e algum ânimo para viver. Desta feita, refeita, à custa de meu muito “blá-blá-blá”, ela voltava a ser o passarinho gorjeante dantes.
Ao final da noite, começava a cachear os cabelos, primeiro à quente, com uma baby-bliss – ah, esqueci que nem todo mundo sabe do que se trata! Calma, explico: é uma espécie de canetinha aquecida, na qual a gente enrola o cabelinho e... voilá! – e concluía a tarefa depois com uns bobinhos, pequenininhos, que ao cumprirem a missão – diga-se de passagem, quase impossível – a deixavam com feições de ternurinha. Acho mesmo que aquele era o maior encanto dela, não só para o senador, mas para todos os homens que a cortejavam. E íamos dormir, juntinhos, bem aconchegadinhos, de conchinha!
Foi então que, naquela noite, não sei por que, de brincadeirinha, pedi para ela também cachear os meus. Era verão, calor de 35º C. E olha que já era quase meia-noite. Como estava de moda naqueles dias, ela foi passear no calçadão da praia. Pôs maiô e disse que estava batendo vontade de pular umas ondinhas para agradecer à Iemanjá. Eu, feito pó, preferi ficar entregue, coberto dos pés à cabeça, curtindo o meu ventiladorzinho.
Ela, vejam só, pasmem: nesse dia, encontrou um alguém maravilhoso! E ainda dizem que não existe amor à primeira vista, ao primeiro encontro, química de peles... Que a amou e a ama incondicionalmente. Virou madame. Frequenta os melhores shopping centers do país. É mãe de família, dedicadíssima. Frequenta o high-society e as festas do grand monde. Usa jóias verdadeiras, bolsas e sapatos de grife. Tudo caro pra chuchu. Só não usa peles de animais por que a minha amiga sempre foi ecologista. Mas com ela, não tem tempo ruim nem orçamento curto. Casou com um empreiteiro, muito bem relacionado e com trânsito livre em todos os poderes, em todos os palácios, inclusive na Capital Federal, sem restrições...
Ah, você está curioso quanto à mim? Quanta gentileza... Tá, eu conto, mas seja discreto, por favor. Uso relógio importado, legítimo – nada de genérico comigo –, ando de carro conversível importado e moro numa cobertura à beira-mar. Onde? Na Avenida Atlântica, oras. Onde mais? Tudo porque o senador voltou para fazer as pazes com ela e foi logo encaixando com quem estava de cabelos cacheados sob os lençóis...
Ah, gente, quem não tem um bobinho como o meu não se estabelece!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Sonetinho canino nos Poemas que latem



Com o "Sonetinho canino" que fala da amizade de um cachorro e de um menino, em sua evolução da infância à vida adulta, Antonio Nunes (Tonton) participa da coletânea "Poemas que latem - os mais belos poemas sobre cães", que será lançado pela Editora Nova Alexandria.
Vocês todos estão convidados para o lançamento, conforme abaixo:
No próximo dia 18 de novembro, quarta-feira, às 19h30, na Livraria da Vila da Fradique e no dia 28 de novembro, sábado, às 15h00, no Pet Center Marginal, em São Paulo, a Editora Nova Alexandria lança o livro Poemas que latem ao coração!. Organizado por Ulisses Tavares e apresentado por Luisa Mell, este livro reúne poesias sobre cachorros e traz 50 poetas como, Olavo Bilac, José Paulo Paes, Carlos Nejar, Astrid Cabral, Glauco Mattoso, Luís Pimentel, Domingos Pellegrini, Jorge Miguel Marinho, Celso de Alencar, Marcelo Tápia, Luiz Roberto Guedes, Álvaro Alves Faria, Hamilton Faria, Ricardo Soares, Renata Paccola, Ricardo Corona, entre outros.

Nas ocasiões haverá sessões de autógrafos com Ulisses Tavares, Luisa Mell e alguns dos poetas que participam desta antologia. O Pet Center Marginal fica na avenida Presidente Castelo Branco, 1795, no Pari, em São Paulo, tel.: (11) 2797-7400, e a Livraria Da Vila fica na rua Fradique Coutinho, 915, na Vila Madalena, em São Paulo, tel.: (11) 3814-5811.
Quem sabe vocês me encontrarão por lá. É esperar para ver.
Abraços, da terra do frevo e do maracatu, Tonton.

Sensibilidade em flor

Altamirando era um cara que tinha tudo para dar certo com as mulheres. Era sensível, cultivava flores e gostava de presenteá-las àquelas. Não raro recebia cartões de amor, bem mais que meros agradecimentos. Alguns eram verdadeiras seduções em palavras. Mas, as palavras, era algo que ele sabia manipular magistralmente. Talvez em razão de ter sempre em mãos livros dos melhores poetas nacionais e, não raro, dos maiores do mundo. Muitos deles premiados com o Nobel e outras premiações menores, entretanto não menos importantes. E uma delas, das agraciadas com a sua gentileza, acreditou firmemente que lhe conquistara o coração. E então, dedicara-lhe todas as atenções, nunca mais voltando o olhar para outro espécime do sexo masculino.
Ele, como sempre, costumeiramente lhe oferecia flores acompanhadas de pequenos bilhetinhos. Poéticos, é claro!
Um dia ela fez aniversário. Ele enviou-lhe flores e um cartão desejando-lhe que vivesse em um jardim. Outro dia ela adoeceu. Ele enviou-lhe mais flores e o desejo de que tivesse muitas primaveras em seu viver. Restabelecida, ela não suportou mais conter sua paixão e foi ter com ele. De súbito, faleceu. Dizem que enfartou ao saber que somente receberia dele não mais que flores e algumas palavras de gentileza.
E ele não perdeu a oportunidade. Enviou-lhe as últimas flores, de despedida e o bilhetinho:
- Enfim, adubo!




A mulher sem identidade


Para as trabalhadoras anônimas do Brasil, mães, operárias e, acima de tudo, guerreiras!

Josefina era uma escrava doméstica. Não que trabalhasse em casa alheia, mas em seu próprio lar. Laborava de sol a sol para atender os caprichos de seu marido e de seus quatro filhos. Difícil era a vida daquela mulher humilde, resignada em seu destino naquela sociedade patriarcal e notadamente machista. Não sabia ela que, com seus mimos para cada um dos rebentos, reproduzia e alimentava em moto contínuo aquele modo de vida sem o qual não encontrava razão para sua pobre existência.
Até que um dia, ela resolveu dar fim a tudo aquilo. Como não tinha grande coragem para enfrentá-los, esperou o cair da noite e todos adormecerem para ganhar a estrada já na madrugada. Como sabia que seria caçada tal qual um animal selvagem – de que, há muito, não se afastava –, ganhou o mundo embrenhando-se na mata. E como não tinha nem experiência e nem conhecimentos para vencer aquele desafio, tampouco dinheiro para eventuais necessidades, acabou por falecer de fome, frio e sede. Tudo ao mesmo tempo. Seu corpo foi encontrado dias depois. Mas não foi reconhecido, sequer identificado...
Faltavam-lhe as digitais – e ela nunca havia ido a um dentista, não havia registro qualquer de sua arcada dentária. As linhas da mão e dos dedos ela havia perdido na soda cáustica do grosso sabão que usava na limpeza domiciliar, roupas, pratos, banheiro e chão.
Afinal, sempre fora uma mulher sem identidade...

sábado, 24 de outubro de 2009

Enfim, aconteceu...



Para Carmencita

Ela estava em êxtase ao sentir o toque de seda em suas mãos. Olhos vendados, parecia não existir nada mais importante para ela do que estar naquela cama. Era um momento sublime, de superação de medos, de tantos anseios surgidos ainda na juventude. Finalmente ela conseguiu se entregar sem o menor temor. Parecia que tudo mudaria dali em diante. A sua busca parecia ter chegado ao fim. A segurança que ela tanto esperava estava ao alcance de suas mãos. E ainda era dia. Ela fechara cuidadosamente as janelas, vedara todas as mínimas frestas para que tudo parecesse noite e, dando um toque especial ao ambiente, deixou um abajur rosa - com uma lâmpada de potência mínima - aceso.

Tudo era extremamente acolhedor. Diria mesmo que de encher os olhos, sedutor. O que ela mais desejava era se entregar até o amanhecer do outro dia... E assim aconteceu... Tudo exatamente como ela imaginara. Creio mesmo que a força do subconsciente, como que em súbita magia, a dominara. Afinal, fazia anos que ela desejava ardentemente, com todo o seu mais sincero querer, aquele momento. E, como lhe recomendara o terapeuta, nada de utilizar ansiolíticos, antidepressivos ou coisas do gênero. Era como se estivesse em uma nova lua-de-mel. Era preciso redescobrir o que havia ficado trás, em algum lugar do passado.

Era preciso fugir, para achar-se em si mesma. Pois já não fazia efeito sobre si nenhuma daquelas drogas, iogas, meditações, contagens de carneirinho etc. e tal, após milhares de noites de insônia. O bom e velho tapa-olhos, de tecido macio, preto, conformando-se anatomicamente ao seu rosto por intermédio de uma delicada presilha elástica, era tudo o que ela necessitava para, enfim, acontecer... Não foi por menos que ela generosamente o alcunhou no aumentativo.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O batizado do porco

Eu sempre fui um rebelde com causas. Ainda mais se a luta fosse contra a dominação, o discurso ideologizante e a imposição dogmática. Não sei por que, mas devo confessar que em meus anos de adolescente – fase de afirmações que quase todos na juventude enfrentamos e, felizmente, superamos, eu disse quase todos e isso vale para as duas coisas: vivê-la e deixá-la para trás – o alvo das minhas inquietações era a Igreja Católica. Talvez isso me passasse em razão da pressão doméstica, sem qualquer tolerância para atrasos ou ausências injustificadas, para participarmos das novenas que nos eram impostas a todos os familiares, inclusive à Tia Fatinha – batizada em homenagem à Nossa Senhora de Fátima, beata de língua comprida e bolsos curtos quando se tratava de realmente ajudar no caso e alguma precisão da paróquia que frequentávamos – e ao Tio Eliezer, sempre contrito, olhos reprovadores, de terço em mãos – quando estavam longe das ancas e das nádegas roliças da negra Sebastiana, quando ela enrolava as saias na cintura, deixando quase antever o que tinha ao centro das pernas bem torneadas, para fazer a lavagem da roupa da família no tanque escondido lá no fundo do quintal da casa de meus avós. Casado, pai de três filhos, quer dizer, três filhas, e generoso como ele só, não deixava faltar nada à serviçal – da cachaça à colônia de alfazema, das miçangas ao corte de chita para o vestido novo no final do ano – que tanto lhe servia, inclusive alimentando a ideia de completar a prole com um filho varão. O filho seria ilegítimo, aos olhos da Santa Igreja, mas as tentativas, não poucas, eram bem reais, é claro!
E uma das questões que mais me incomodava era a obrigatoriedade do jejum em determinadas épocas, por dias seguidos e sequer tocar em carne vermelha na sexta-feira da Paixão. Aquele era imperdoável. Pecado mesmo para mim era o povo não ter o que comer, fosse naqueles ou em outros dias quaisquer.
Foi quando para me vingar dos monges que residiam a poucos metros de minha casa, encomendei à Sebastiana que preparasse o mais saboroso e mais gordo leitão que encontrasse na feira, com tudo o que estivesse ao seu alcance, pois eu não faria questão de gastar todos os centavos de minhas parcas economias. Era um mimo, um agrado que fiz questão de oferecer-lhes bem ao meio-dia de uma 6ª feira daquelas. À pururuca, com rodelas de frutas cítricas cozidas ao forno em delicada calda de vinho branco e cerejas, bastante farofa para acompanhar, com direito à maçã na boca e tudo mais que pudesse despertar naqueles padrecos o pecado da gula.
Cheguei, toquei a campainha, sendo atendido pessoalmente pelo abade, o chefe ou, como dizem, o superior dos religiosos daquele local e passei-lhe em mãos o petisco. Preparava-me para dar meia volta – pensando ter cumprido a tarefa arduamente arquitetada durante quase duas semanas – e só aguardava o portão ser fechado para comemorar a pretensa derrocada deles e, por conseguinte, a minha vitória, enquanto me vinha à mente: – Consegui! É agora!, quando fui surpreendido pelo convite do abado para juntar-me a eles na refeição.
Não tive como dizer não. E além do mais, estava ansioso para desmascarar a pantomima que julgava teria lugar dali a alguns instantes.
O abade mandou colocar a vistosa travessa bem à sua frente na imensa mesa que guarnecia o refeitório. Apresentando-me como benfeitor, destacou a minha participação na refeição, deu graças, orou pelos pensamentos e necessidades de todos os presentes, e sem o menor constrangimento – ou melhor, antes que este pudesse se instalar entre os demais –, fez um breve silêncio e sentenciou com ares absolvitórios:
– Porco, te batizo Peixe! – e fez o sinal da cruz por sobre a cabeça do bicho.
E todos se lançaram ao novo peixe, sem a menor cerimônia, inclusive eu.
Deste dia em diante, conclui: se não pode vencê-los, junte-se a eles, ora! Pouco tempo depois abandonei o pragmatismo juvenil, pois ali aprendi, para todo o sempre, a relativizar. O que me fez um bem danado...

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Vem ai novo livro de Tonton!




E vou logo lançando um concurso: por que este novo livro se chama"Cuarenta"?

Quem escrever e acertar o motivo vai ganhar um exemplar autografado, enviado em mãos.

Agora é soltar a imaginação e concorrer. Boa sorte!

Resposta no dia de Natal. Então, vocês têm até o dia 20 de dezembro para postar as suas sugestões.

Cordial abraço, da terra do frevo e do maracatu,

Tonton

terça-feira, 15 de setembro de 2009

TONTON ganha prêmio e logomarca



Com "O aprendiz de Don Juan", Tonton receberá nesta 5a feira, 17 de setembro, às 20h, na sede da Academia Pernambucana de Letras, prêmio na categoria Literatura Infantil referente aos melhores do ano de 2008. As ilustrações originais são de Braga Câmara (braga_camara@hotmail.com), quadrinista e ilustrador premiado, parceiro habitual nas andanças pelo mundo do imaginário infantil.

A partir da ilustração de Tonton e Balu, do premiado conto "O assalto...", que pode ser lido em http://contonton.blog.terra.com.br/ , Tonton ganhou logomarca de escritor especializado em literatura infatil.

De muito bom gosto! - Foi a opinião dos primeiros a conhecê-la.

Sintam-se convidados a participar desta festa.

Abraços a todos, da terra do frevo e do maracatu,

Tonton

sábado, 12 de setembro de 2009

O viuvário

Clodoaldo era só sorrisos. Aquela vaga informação se confirmara. O paraíso terreno realmente existia e ele havia chegado lá. E melhor, bem melhor, vivo! Vivinho da silva e cheio de energia para gastar. Afinal, para que serviriam anos de alimentação balanceada, alguns quilômetros de caminhada diária – fizesse chuva ou sol –, tubos e mais tubos de protetor solar se depois de tudo isso ele não pudesse desfrutar de tudo isso? A sua hora finalmente havia chegado.
Recebido entre olhares curiosos, sorrisos de alegria e palavras de boas vindas por todas as presentes, ele teve a certeza de que aquele era verdadeiramente um lugar abençoado por Deus, fosse lá qual fosse o deus que quisesse acreditar naquele momento. Estava ali, bem aos olhos dele, era verdade os rumores que ele havia ouvido enquanto caminhava pelo parque central da cidade onde vivia.
Circulou por entre as mesas, recebeu outros olhares – agora bem menos comedidos, quero dizer nada comedidos – desejosos de sua presença. Sentiu-se cobiçado e, por uma fração de instante, quase um homem-objeto. Elevou-se-lhe ainda mais a auto-estima. Ele estufou o peito, passou a mão pelos cabelos já grisalhos e caminhou em direção ao balcão estrategicamente localizado ao fundo do bar, de onde passou a observar todo o movimento. Aliás, para onde se voltaram todos os olhares, pois ele era o centro das atenções e ele percebeu isso. Não se fez de rogado e dirigindo-se à garçonete pronta a atendê-lo – efetivamente a postos – e servir-lhe um cuba libre. De imediato, como cortesia, serviu-lhe, também, uma porção de amendoins e ovos de codorna, anunciando-lhe ser cortesia da casa. Impossível não notar-lhe o pensamento matreiro que lhe ocorrera. E apoiando o cotovelo na barra do balcão, foi trazendo os petiscos aos punhados à boca, enquanto observava o movimento.
Ele sentiu-se o rei da cocada preta, a última limonada do deserto e coisas do gênero. Estava completamente rodeado de mulheres, de todas as idades, de todos os biótipos e cores de cabelo – e com direito a igual intensidade de variações de penteados. Não havia outro homem ali, além dele. Feições de lobo mal se colocaram em seu rosto. Quem seria a chapeuzinho escolhida? As vovós ela já havia descartado na primeira passada de olhar...
Foi quando para fazer-se de rogado – estratégia de conquistador barato, você bem sabe –, voltou-se para a garçonete com cara de Lolita – que já fazia cachinhos nos cabelos com o dedo indicador e cara e bocas, etc. e tal – , e puxou conversa:
– Bem agitado este lugar, não?
– Hoje, sim! – respondeu ela.
– E por quê? – perguntou ele.
– Por sua presença! – respondeu ela.
Sentiu-se lisonjeado com o comentário, mas também um pouco incomodado. Aquilo nunca acontecera com ele em toda a vida.
– E por quê? – perguntou à interlocutora que, desdenhosamente, mascava chicletes.
– Por que estão imaginando quem será a escolhida! – sentenciou.
Ele estranhou ainda mais tamanha sinceridade. E levantando os ombros como se dissesse “E daí?”, completou:
– E o que tem demais nisso?
– Ah, moço, um homem que aqui entra nunca mais volta...
– E qual a razão disso acontecer, minha filha? – falou-lhe com ares agora preocupados.
– Por simples razão...
– Diga logo, minha filha, pelo amor de Deus!
– O senhor não viu a placa lá fora não?
– Que placa, criatura?
– Com o nome do estabelecimento!
– Não. E o que isso tem a ver com...
Mal ele completou a frase e ela tascou, como bala certeira ao coração do pretenso Don Juan:
– Aqui é o viuvário! – disse de sopetão, sem pestanejar e já foi apertando o alarme acionando imediatamente a ambulância, antecipando-se ao enfarte que estava por vir. Fazer o quê? Eu mesmo soube que existia, mas nunca fui lá...

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Constrangimento ilegal...


Eu e minha esposa estávamos mais que contentes. Como professor universitário eu havia sido premiado com um estágio de três meses em uma das maiores e mais importantes universidades do mundo. Era uma parte de nossos sonhos se tornando realidade. Afinal, havíamos trabalhado arduamente para conquistarmos aquele reconhecimento internacional que, certamente, seria um marco divisor de águas em minha carreira profissional. Estávamos casados havia poucos meses, embora convivêssemos há mais de uma década. Ela havia sido minha aluna ainda durante o seu curso de graduação e, como não raro, a admiração mútua nos levara a um romance que, em nosso caso, resultara em um casamento e uma parceria intelectual felizes.
Para completar a nossa felicidade faltava-nos apenas a chegada de um herdeiro ou herdeira – já em planejamento – que deveria ter lugar em nossa volta desta viagem. Estávamos realmente felizes com o momento promissor em todas as esferas de nossas vidas. Somente um pequeno detalhe nos preocupava. Minimamente, é verdade. Melhor seria dizer que nos obrigava a alguns cuidados extras. Ela tinha extrema sensibilidade aos hormônios dos anticoncepcionais e, em razão disso, não se sentia bem ao utilizá-los. Por orientação médica tivemos que nos remediar na “tabelinha” e nos muitos preservativos até que decidíssemos nos liberar ao acaso e à boa sorte da natureza em matéria de fecundação e geração de filhos. Ok, pode dizer procriação mesmo se assim entender mais apropriado.
Foi aí que tudo começou a...
Malas prontas, roupas de frio devidamente preparadas para a nossa estada naqueles meses de muito frio no inverno do hemisfério norte, rumamos para a minúscula cidadezinha, uma verdadeira vila de interior, em cujos arredores faríamos a pesquisa de campo necessária ao bom desenvolvimento do estudo.
Antecipando-nos à dificuldade de encontrarmos preservativos naquele longínquo rincão, compramos de última hora uma caixa com 120 unidades. Nas pressas para rumarmos ao aeroporto, as atiramos em nossa bagagem. Para quê? Desembarque lotado, alfândega lenta, inspeção por raios x e... PEM, PEM, PEM!!!
Luzes vermelhas acessas, piscando, policiais correndo para aqui e para acolá... e tudo por nossa causa. Sem termos bem noção do que estava acontecendo, fomos retirados imediatamente dali e levados para a sala de interrogatórios da polícia nacional daquele país de pessoas frias, desconfiadas com tudo. Diria mesmo que em pânico... Ou estariam obcecadas por uma falsa noção de segurança desde o 11 de setembro? Sei lá, coisa mais estranha...
Mas, como eu ia dizendo, acharam que éramos –imaginem só – eu e minha esposa terroristas, mellhor dizendo, traficantes internacionais associados a perigosos narcotraficantes. De nada adiantava explicar as recomendações médicas em relação à saúde de minha mulher, nem dizer que havia uso melhor para os preservativos que enchê-los com drogas e engoli-los aos montes... Eu, heim?!?
Não acreditavam que tantas camisinhas eram apenas para o seu uso mais tradicional, corriqueiro. Acreditaram muito menos quando falamos do número médio de relações sexuais que mantínhamos semanalmente, ainda mais olhando para mim, já com certa idade, amadurecido e com boa parte dos cabelos ficando grisalhos.
Não deu outra... Nos trancafiaram numa salinha minúscula até terem tempo de confirmar tudo o que dizíamos, em embaixadas, universidades daqui e de lá, etc, etc, etc. O tempo foi passando, passando... e como sequer fomos levados a um dormitório ao cair da noite, sabe como é né, casal de brasileiros, sangue latino, friozinho, precisando desestressar e nada melhor para fazer... Pimba! Quero dizer, não deu outra... Afinal, como disse certa ministra, nessas horas relaxa...
Pela manhã, apos breves desculpas pelo mal entendido, fomos liberados por uma policial que não fazia nenhuma cara de amizade, pelo contrário, olhava enfezada que só ela para o companheiro de serviço bem defronte a ela. Com aquele olhar de quem fuzila o outro. Sabe bem como é, né?
Estágio cumprido, dois maravilhosos artigos escritos, revisados, prontinhos para publicação, o seminário para apresentação do relatório de viagem já elaborado e devidamente enviado para casa pelo correio eletrônico, só nos faltava tomar o avião e rumarmos de volta ao Brasil. E lá estávamos nós na aduana mais uma vez. Agora sorríamos lembrando do ocorrido em nossa chegada. Foi então que reconheci o policial, aquele pretensamente fuzilado pelo olhar da colega. Trazia no rosto indisfarçáveis olheiras e estava um pouco mais magro. Até eu com a minha habitual desatenção para detalhes desta natureza pude notar.
Ele se aproximou, conferiu nossa documentação, carimbou nossos passaportes liberando-nos para tomarmos o vôo e, então, puxando-me levemente pelo braço para junto de si, perguntou-me:
– Como o senhor tem saúde para tanto? – falou-me com ares de interessado, como se pedisse um tônico para fazer face ao visível esgotamento físico e mental.
Abrindo a valise de minha esposa, peguei um frasco de comprimidos de farinha de trigo, puro placebo, que havia sobrado dos experimentos e receitei-lhe um a cada dois dias. Meio daqueles, como dose diária. Minha esposa gargalhou quando, ao afivelar os cintos para partirmos, contei-lhe o ocorrido.
E sorrindo, senti-me vingado pelo constrangimento ilegal pelo qual havíamos passado. Por um instante tive um pouco de compaixão do coitado do guarda pelo que acabara de fazer a ele e disse a mim mesmo:
– Não tem como funcionar...
Mas, sabe como é mente de cientista, não é verdade? Instalou-se uma dúvida e, então, perguntei a mim mesmo:
– E se funcionar?
Se porventura funcionasse? Teria em mãos a motivação para mais um pós-doutorado e a hipótese da descoberta a ser confirmada seria simplesmente sensacional! Estaria aberto o caminho ao Nobel, ora essa...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Olhares paroquianos...

Para o padre Francisco Caetano
Por Antonio Nunes Barbosa Filho



Enquanto estava imexível no caótico trânsito desta cidade grande, preocupado com o avançar do tempo ­– que trazia a certeza de que o horário para peticionar junto ao Fórum se esvairia antes de que eu conseguisse fazê-lo como era necessário -, lembrei-me dos ensinamentos do sábio e sempre bem-humorado padre Romano.
Ele nos dizia – seus alunos do curso de direito romano – que tudo tinha o seu lado bom. Que em tudo tínhamos uma lição para aprender, mesmo nas maiores adversidades e que cada oportunidade que se apresentava tinha uma razão de ser. O segredo de bem-viver – continuava – residia exatamente em saber extrair da vida este aprendizado, que nos prepararia para a ocorrência seguinte, de maneira que o viver nada mais é do que uma repetição de fatos e ciclos que nos colocavam à prova. Amadurecer, segundo ele, era o exercício de reconhecer os encaixes entre as situações e os saberes acumulados ao passar dos anos, para que soubéssemos conduzir com sabedoria a nossa existência. Ele estava coberto de razão!
Contou-nos, certa vez, que saíra dos rincões dos sertões nordestinos, ainda muito jovem, para encontrar educação e sustento no mosteiro em que fora acolhido para iniciar-se na vida eclesiástica. Não tinha nenhuma vergonha em confessar que, por alguns anos, naquele ambiente, sentiu mais prazer em preencher o estômago e o cérebro do que, até então lhe conferia, a pretensa vocação que a sua mãe lhe atribuíra por um sonho que tivera quando ele nascera. Mas, tal realidade haveria de mudar... e radicalmente.
Amante das letras, das artes, do conhecimento e da literatura, logo percebeu que afastar-se do meio em nada contribuiria para a satisfação de seus projetos pessoais. Ordenou-se padre. E como iniciante, foi enviado para concluir sua formação junto ao Pe. Geraldo. Justamente com o mais temido sacerdote de toda a região, reconhecidamente linha-dura por seu extremado rigor com os paroquianos e pelas celebrações em cujos sermões não perdoava, tampouco aliviava o peso das palavras nem para os barões e coronéis que, calados naquele momento, se enfileiravam na cabeceira da audiência. E ai de quem não soubesse de cor e em latim as ladainhas... Apesar de celebrar de costas para os presentes, como mandava a tradição, ele sabia exatamente tudo o que se passava, como se tivesse olhos – muito atentos – em sua nuca. Era realmente espantoso!
Um dia, deveras avançado em anos, o Pe. Geraldo adoeceu. O padre Romano viu-se forçado a conduzir os ofícios e assumir os destinos da Paróquia. O mesmo milagre aconteceu! Sabia tintim por tintim, nos mínimos detalhes, do que acontecia às suas costas nas missas. Sabia quem aproveitava a ocasião para passar bilhetinhos aos amantes; quem passava a mão em troco além do devido no ofertório; quem olhava com desdém para o outro; quem olhava com inveja para as vestes do outro; quem matraqueava fofocando da vida alheia. Enfim, nada lhe escapava. Ele sabia realmente de tudo o que se passava naquela modesta capelinha. E, como não podia deixar de ser, soltava o verbo em suas pregações. Se não dizia o nome de a quem era dirigido o palavrório, não era difícil descobrir a quem se destinavam, pois, na primeira oportunidade, com um firme olhar, fitava o destinatário.
Assim, não raro, ao final dos cultos, mãos cobriam os rostos envergonhados – se bem que para muitos era apenas uma tentativa de não encarar o olhar de reprovação do Pe. Romano. Verdadeiras procissões se formavam na sacristia para conseguir junto às beatas, que, sem muito sucesso, tentavam por alguma ordem na balburdia que inevitavelmente se formava a cada celebração, distribuindo fichas numeradas e devidamente rubricadas face aos muitos pedidos para as confissões que - se não as tivesse limitado em máximos 20 minutos por confitente - tomariam quase toda a semana do pároco.
Foi nessa época que conheci o já ilustre vigário. Cheguei até ele por notícia que corria entre o povo de que era um santo-homem, milagreiro, que tudo sabia mesmo sem olhar diretamente em seus olhos, que tudo antecipava como se pudesse ler pensamentos. Aquilo instigou de tal maneira a minha curiosidade que não pude deixar de me aproximar do cura. Aos poucos conquistei a sua confiança. Inicialmente realizando trabalhos voluntários na comunidade circunvizinha à paróquia, depois como tradutor de alguns textos – pois ele já não dispunha do tempo requerido para tanto. Como sempre restava alguma dúvida relacionada aos termos canônicos, eu aproveitava os poucos momentos de intimidade de que dispunha junto ao padre para descobrir até que ponto o imaginário popular condizia com a realidade dos fatos.
Então, ele me falou: - Meu filho, o segredo reside no poder da criação!
Fiquei na mesma. Estava certo de que era de Deus que ele falava. Seria tudo aquilo fruto de dons divinos, revelatórios. Julgava impossível ser de outra forma. Não havia mais nada a desmistificar. E eu teria que engolir para sempre o meu tão proclamado ateísmo. Estava certo de que Deus existia, era um ser superior. Até que me converti e, apesar de fazê-lo tardiamente, me tornei o mais dedicado paroquiano que poderia existir.
E lá estava eu, sempre ajudando o Pe. Romano com seus paramentos, limpando a igreja, polindo o hostiário... Percebi que ele nunca tirava os olhos do alto. Acreditei que estivesse como a olhar aos céus, ao criador. Pus-me em contrição a fazer o mesmo, desejava ser um pouco como ele. Simplesmente foi surpreendente...
Quando ficamos sozinhos, apontei e perguntei-lhe, mais uma vez sobre o mistério. Ele não pode negar e me confessou: - É meu filho, o segredo reside no poder da criação... E isso eu aprendi com o Pe. Geraldo. – concluiu.
Bem lá no alto, completamente imperceptíveis para os fieis, escondidos de maneira que somente da posição em que ele celebrava poderiam ser vistos, estavam, em cada lado, dois magníficos espelhos, disfarçados, escondidos por trás das imagens da padroeira da cidade e do Brasil. Não era à toa que ele festejava e admirava tanto os inventores e todo o seu poder de criação... Tudo era somente questão de interpretação, de hermenêutica, como aprendemos com ele em sala de aula. E de manter os olhos vigilantes, atentos, é claro...

sábado, 15 de agosto de 2009

A quinta virgem


Ainda que tudo estivesse a seu favor, nada o faria avançar além do permitido. Afinal, era um perfeito cavalheiro. Abriria a porta do carro para ela e a conduziria em segurança – pelo menos era o que se imaginava – para o cinema, depois para um jantar romântico e, se tudo desse certo, por fim, terminariam a noite na casa dele. Bem, se não houvesse resistência por parte dela... E se houvesse?
Tudo aquilo eram desejos que naquele dia poderiam se concretizar. Aqueles olhos cheios de vida, brilhantes o haviam conquistado. Ou melhor, seduzido desde o primeiro instante em que cruzaram com os dele. E já não havia mais espaço para nada no pensamento dele desde então. Estava tudo perfeitamente planejado, nos mínimos detalhes. Devidamente cronometrado, calculado, recalculado. Ela não lhe escaparia... Improvável!
Banho tomado, a melhor roupa posta, a fragrância do perfume a dominar o ambiente. Ramalhete de flores do campo sobre a mesa. Era apanhá-lo, tomar as chaves do carro em mãos e cumprir exatamente o que havia arquitetado, passo a passo, como meticulosamente imaginado. Um sorriso irônico de satisfação dominou-lhe a face quando ajustou o espelho retrovisor antes de sair da garagem.
Na hora marcada, sem um minuto sequer de atraso, lá estava ele à entrada do edifício dela, que já o aguardava com um sorriso ingênuo de felicidade. Ele saltou do carro, abriu a porta – como costumeiramente fazia, com ares de gentil sedutor, é verdade, para todas as incautas que adentravam aquele veículo cuidadosamente lava, polido e aromatizado para ocasiões como aquela – e pigarreou discretamente, tentando disfarçar uma ansiedade incontida. Primeira etapa vencida...
Em poucos minutos chegaram ao cinema. Bilhetes comprados com antecedência – para os melhores lugares da sala, não havia dúvidas – e uma película que versava sobre um lindo caso de amor que superava todas as dificuldades cumpririam o esperado para a segunda etapa. Aliás, o plano ia melhor do que ele esperava. Tocada pelas cenas e pelo desenrolar da história, os olhos dela marejaram, pelo que suas mãos foram buscar abrigo nas mãos dele. Naquele momento, ele acreditou que ela se entregaria facilmente, vencida, desarmada, completamente à mercê dos caprichos dele.
A encerrar da sessão, ele apoderou-se das mãos dela demonstrando querer, cuidar. Ela imaginou-se protegida e ele supremo, poderoso, tanto que se atreveu a beijar-lhe a testa, ao que foi correspondido recebendo um sincero e afetuoso abraço. Ao notarem que estavam sendo observados com certo interesse pelos transeuntes, apartaram-se, pelo que ela trouxe a mão esquerda à boca, pousando-a timidamente sobre os lábios, na tentativa de esconder um sorriso jacente, pois a direita continuava firmemente entrelaçada à dele.
Nenhuma mulher poderia resistir a tão intensa pressão psicológica. Muito menos ela, que na mais tenra infância fora entregue aos cuidados das freiras de um orfanato em sua longínqua cidade natal. Sim, ele sabia disso. Ela mesma lhe havia dito no terceiro encontro que tiveram numa dessas salas de bate papo da internet. A terceira etapa esta por vir...
Mesa reservada – a de sempre, pois jantava ali todas as semanas, quase na penumbra, mas com privilegiada visão do salão, cardápio e vinhos previamente selecionados, assim como o repertório de músicas – devidamente entregue ao pianista, que seria regiamente remunerado para dar o melhor de si não ocasião – com a devida anuência do dono do estabelecimento. Tudo estava sublime! Impecável! Ele cumpria à risca cada fala exaustiva e rigorosamente ensaiada à frente do espelho...
Restava, tão-somente, o golpe final.
– Posso oferecer-lhe um ultimo drinque? – sentenciou ele.
Com plena ideia do que poderia acontecer-lhe, pois ele já a olhava com olhos de lobo-mau havia cerca de duas horas, ela quis encontrar coragem para enfrentar a situação, mas recuou. Ainda não decidida se deveria aceitar o convite, tentou ganhar algum tempo a mais para refletir e pediu-lhe que dessem uma volta pela longa avenida à beira-mar da cidade. Sendo fim de semana, mesmo por aquelas horas, a orla deveria estar apinhada de gente. Ela dizia a si mesma que, hoje em dia, se pudesse a juventude sequer dormiria para aproveitar intensamente cada minuto da vida.
Então, respirando profundamente, antes que o mínimo sentimento de arrependimento pudesse passar por sua cabeça, disse-lhe de sopetão:
– Anacleto, depressa, toca pro motel Sensação! Vi uma propaganda maravilhosa dele na televisão! Fica a uns poucos quilômetros daqui...
Ela só não sabia – ou não tinha percebido – era que ele jamais havia engatado a quinta marcha no carro e, a julgar pela velocidade que ele conduzia, até lá, o medicamento já teria perdido o efeito.
Taí, apesar dos 84 anos bem vividos, isso, nem ele poderia ter imaginado...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

O Poder da Criação


Era tão pequeno que passeava pelo teclado do computador. Um dia, se distraiu e tropeçou indo cair dentro da tela do monitor. Desesperado, não sabia como sair. Foi então que resolvi ajudá-lo. O imprimi numa folha de papel. Deu tudo errado, saiu em preto e branco. Deu vontade de rasgar. Tive medo de tirar-lhe a vida. Decidi repetir o processo, só que desta vez caprichando nas cores. Print! E lá veio ele cheio de vida. Esperei um pouco para secar a tinta e não manchar. Dei um sopro delicado, divino e ele ganhou vida. Saiu por aí...
E ainda dizem que não acreditam em mim, que Deus não tem lugar neste mundo de tanta tecnologia. Eu, heim...


terça-feira, 21 de julho de 2009

Tonton e Balu à cores...


Presentão de Braga Câmara, ilustrador e amigo-parceiro.

Valeu, cara!

Como dizem as novas gerações: Ficou super!

terça-feira, 23 de junho de 2009

Poupança-escova


Uma das maiores maravilhas da natureza humana é a magia da composição de um novo ser a partir do gene de seus pais. É extremamente fascinante ver surgir alguém tão diferente e, ao mesmo tempo, guardando importantes características de seus ancestrais. Creio que exatamente aí reside a porção ou o toque divino na criação. E comigo não poderia ser desigual. Guardo traços físicos de meu pai e caracteres comportamentais de minha mãe. Segundo a minha esposa, a mistura até que deu certo: biotipo e ações tipicamente masculinas permeadas com um que de alma feminina. Ela diz que vive no paraíso!
Bem, mas isto não vem ao caso. Não vim aqui falar de mim, embora possa servir de exemplo nesta narrativa, e sim de minha filha, que ainda está por vir. Muito desejada – principalmente pelas avós – e em tranquila, efetiva e amadurecida negociação por parte de seus genitores. E como é gostoso desejar e planejar a chegada de uma criança. A ideia da chegada de uma pequena com características comuns aos dois, aproxima mais e mais os verdadeiros casais.
Pernocas da mãe, olhos do pai, nariz de um, cílios e sobrancelhas de outro etc. É um momento de renovação de quereres, de carinhos, de promessas e de juras de amor e felicidades eternas. Não é sem razão que dizem que os filhos são o principal motivo da união afetiva, de cunho duradouro e em condição permanente de um casal. Justificativa de transmissão de genes que devem dar continuidade à linhagem em descendentes à parte, faço aqui um alerta para aqueles que, futuramente, desejam partir para empreitada semelhante. Foi assim que tudo aconteceu...
Poucos dias atrás fui convidado para participar de um daqueles jogos em que solteiros enfrentam os casados, querendo impor-lhes uma derrota vergonhosa, para demonstrar as vantagens da vida desacompanhada etc. e tal. Entre as muitas gozações dos amigos que insistiam em dizer que eu não topara tomar parte em nenhum dos times por causa das minhas muitas dúvidas ainda persistentes acerca da nova vida – e já que em nada adiantava as minhas justificativas de que, em realidade, a minha ausência no jogo se devia à minha falta de condição física, de um joelho que insiste em desafiar os médicos – para demonstrar a segurança de minha escolha e da felicidade que encontrei ao lado da futura mãe de meus filhos, resolvi contar-lhes do projeto de tê-los em breve.
Destarte alguns segundos de espanto, logo em seguida fui efusivamente saudado pelos presentes, até mesmo pelos solteiros, que mudaram o discurso para dizerem, agora, que eu realmente estava apaixonado e pior, muito pior, fora completamente dominado por aquele sorriso cativante, quase angelical, mas de um poder quase diabólico – na visão de alguns... Como de costume, após o jogo, teve lugar um farto comes e bebes no bar do clube. E o assunto central não podia ser outro. Todos queriam saber dos detalhes, se ela já estava grávida, se já havíamos escolhido os nomes e tudo mais. Ao que eu respondia-lhes, não, não e não!
Então, alguém perguntou da mesa do canto:
– Concretamente, o que já está decidido ou realizado?
Foi quando lhes falei que não poderia participar da farra em razão de ter que reservar o dinheiro que tinha nos bolsos para a poupança-escova. Surpresos, quiseram saber em detalhes do que se tratava. Falei que como a pretensa mamãe tinha vasta e rebelde cabeleira, estávamos orando aos deuses para que, pelo menos as filhas que nascessem de nossa união, tivessem cabelos como os meus, lisinhos, fáceis de pentear. E daí? Fizeram cara de desentendidos os que estavam mais próximos. O que isso tinha a ver com as economias do casal?
Então, com a calma costumeira, expliquei-lhes que, se não fossem atendidas as nossas orações, as herdeiras teriam que ter reservada e à sua disposição, desde cedo, a grana necessária para as muitas idas ao cabeleireiro para conferir-lhes as características capilares que a natureza não lhes conferira graciosamente... E soltei uma grande gargalhada. Como era apenas uma desculpa esfarrapada para ir almoçar a comidinha doméstica naquele inicio de tarde de sábado, segui para casa tranquilamente, onde fui recebido com beijinhos e carinhos sem ter fim. Contei à esposa a história toda e sorrimos juntos com a brincadeira com a qual justificamos poupar para o futuro da família. Depois da refeição, satisfeitos, dormimos abraçados, coladinhos...
E enquanto a harmonia e amor imperam em nosso lar, pelo que eu soube, a coisa desandou entre alguns casais daqueles que participaram do jogo: alguns noivos e namorados resolveram trocar de companheira. Difícil foi explicar o real motivo... E para outros, entre os casados, a coisa foi pior, bem mais grave: meia dúzia deles resolveu pedir exames de DNA.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Sublime...


Para aqueles dedinhos de princesa…
Por Antonio Nunes



Não tive como dizer não àqueles encantos. O seu toque tinha aquela energia incontida e faiscante. O olhar, sincero e cativante, não deixava dúvidas de que ela também queria ser minha, com toda a intensidade que eu estava me permitindo ser dela. Por vezes, chegava a ser desconcertante o meu travamento. Parecia que eu entrava em transe por alguns segundos e quando recuperava a concentração, a lucidez, lá estava eu me percebendo a admirar prazerosamente tão adorável senhorita.
Sentada ao meu lado, fazia-me parecer que não havia mais mundo, que não havia mais nada além dela. E se houvesse, de que me importava? Durante aquelas horas que passamos juntos, sequer percebi quem passou junto a mim. Eram todas delas as minhas atenções, os meus desejos, os meus pensamentos.
Trazíamos no rosto um sorriso colado, imutável, de felicidade que denunciava o nosso querer, pois sabíamos que éramos mutuamente correspondidos. Ela também tinha certeza disso, não foi preciso reafirmar-lhe nada.
Passou a mão em volta de meu pescoço com algum esforço, tamanha a diferença entre nossas alturas. – Foi o único momento em que se afastou, minimamente, de mim. – Disse-me gostar da maciez e da fina textura de meus cabelos grisalhos. Tudo parecia ser novidade. Pelo menos pra mim, era! E foi bom...
Então, me confessou, aconchegando-se em meus braços, como se confiando a mim o seu destino, o seu futuro: – Preciso que cuide de mim! – e me fitou com a doçura de quem deixa transparecer a profundeza da alma, sem temor algum, com a certeza da ingenuidade e a clareza da confiança.
– Sim, claro! Cuidaremos um do outro. – disse-lhe de imediato. E dali em diante, tudo foi sublime, até o fim...

sexta-feira, 20 de março de 2009

Nova historinha infantil..


Por Antonio Nunes

Está vindo aí mais uma nova historinha infantil: " A formiguinha viajante", que nasceu num formigueiro no Parque da Jaqueira e ganhou o mundo... subiu nas paredes da igrejinha, encontrou um cupim malandro, surfou numa folha, planou nas plumas de um passaro, cruzou o Capibaribe, até alcançar o mar...

Já imaginaram as aventuras pelas quais passará a nossa amiguinha? Vale a pena esperar...

quinta-feira, 19 de março de 2009

FRAUnheta...



Para um amigo que sofreu com a frieza
das terras germânicas...
Por Antonio Nunes


Como filho de diplomatas, tive a oportunidade de conhecer muitos países, seus povos e seus costumes. Alguns dos quais indescritíveis, como aqueles das Ilhas do Pacífico Sul. Mesmo que eu os conseguisse descrever com toda a riqueza de detalhes que eu pudesse fazer, ainda assim vocês diriam que não passavam de uma intensa alucinação de minha mente após experimentar alguns destes chás transcendentalizantes que existem aos montes por estes rincões distantes –ou nem tanto – do mundo.
Mas uma das coisas mais incríveis que já presenciei foi a incrível força e habilidade demonstrada pelas garçonetes dos festivais de cerveja na Alemanha. Por favor, façam as contas comigo: são, por vezes, doze, isso mesmo, doze canecas de 500 ml completamente cheias, em cada uma das mãos. Só aí já vão mais de seis quilos por mão, fora o peso das próprias canecas que, em conjunto, devem resultar um mínimo de dez quilos em cada um dos punhos, que não se deixam esmorejar ou abater mesmo depois de servir bebidas por quatro horas ininterruptas.
Em um destes festivais tive a felicidade de conhecer Hanna, uma senhora de seus 45 anos, que ostentava o invejável título de suportar incríveis 26 canecas por mão. Haja mão! Era uma verdadeira pirâmide de canecas, uma sobre as outras, que ela fazia questão de desfilar por todo o salão, para ir servir justamente as mesas mais afastadas do balcão... Era uma incorrigível exibicionista!
Frequentando o local todos os dias, acabei me aproximando dela e conheci a sua bela filha: Herta. Uma maravilhosa loirinha, de lindos e cintilantes olhos azuis, cinturinha fina e marcada pelo avental xadrez, vermelho e preto, que todas as garçonetes usavam por sobre o belo vestido típico. Ah, e ela era dona de um sorriso estarrecedor... Os mais jovens, como eu, tremiam só de vê-la passar e em nossos banhos em água fria que o velho aquecedor da pensão para estudantes não conseguia aquecer nos dias mais frios...
Pois bem, permanecendo na cidade a estudo por alguns meses acabei descobrindo de onde vinha tanta destreza, habilidade e firmeza nas mãos daquelas cidadãs. Sabe como é, né? Juventude, hormônios à flor da pele... Ela não quis um envolvimento mais sério, nada duradouro, sabia que eu me mudaria dali a alguns meses para uma outra localidade.
Alguns anos depois soube que ela se candidatara e fora eleita pelo Partido Liberal para o Parlamento nacional, valendo-se do carinhoso apelido que lhe concedi em certa ocasião. Ela não entendia de que se tratava, mas compreendia perfeitamente a inspiração. E creio mesmo que tão adequada alcunha dera-lhe muita sorte...
Sabe qual o lema da campanha dela?
Vote em “FRAUnheta” – que põe mãos à obra, com toda a dedicação!
Com tanto empenho, impossível não ser eleita. Não é verdade?

sábado, 14 de março de 2009

Ferrou geral...


Por Antonio Nunes Barbosa Filho

Para amigos(as) que devem ter aguentado poucas
e boas por causa do sobrenome na infância.


Existem pessoas que nascem e passam a vida inteira com marcas no corpo e na alma. Sinais e cicatrizes mais que estigmatizam, não as deixam passar despercebidas em meio à multidão. Outras, por sua vez, recebem nomes e apelidos que, se não detestáveis, dão margem a uma infinidade de situações, algumas jocosas até, outras constrangedoras. Bem, mas isso é a vida!
E quando somos crianças, aí é que as coisas parecem assumir proporções descomunais. O nosso despreparo para lidar com certas circunstâncias, com as nossas inseguranças – que alguns carregam por toda a vida como se fossem troféus e jamais as deixam para trás, como se deles dependessem – faz parecer que fomos atingidos por um golpe – quase – mortal, mesmo que seja uma única palavra, um único gesto, uma negação, tamanha a intensidade com que as percebemos...
Certas crianças, mestras em uma maldade incisiva, lacerante – algumas mais que outras – percebem o ponto frágil de outras e para afirmar-se em suas próprias frustrações, acabam por maltratá-las. Esse fenômeno tão antigo quanto a própria humanidade, tem chamado a atenção dos especialistas e ganhou até o pomposo nome de “bullying”. Dizem que o estão estudando seriamente e que a coisa vai melhorar... Duvido!
Eu, como sempre estive do lado dos fracos e oprimidos – por escolha própria, por incluir-me entre eles e por desde sempre detestar injustiças – tentava não me deixar cair em tentação e me policiava para não participar minimamente desses momentos de massacre. Mas, quando a gente é criança, muitas vezes, mesmo tentando ajudar a gente atrapalha...
Lembro-me bem, eu estava na 4ª série primária e acabara de ganhar uma nova coleguinha de classe, tímida como ela só. Impossível não sê-lo, com um nome daqueles...
Apesar de ser uma simpatia – depois de rompida a barreira inicial e quando se tornava mais próxima – e bem bonitinha, o que deixava roxas de inveja as patricinhas do colégio, o nome dela em nada ajudava: Adriana Fudeo. Não me lembro bem a origem da família dela, se era da Romênia ou da Grécia. O negócio é que ela não gostava muito em falar daquele nome. Também, pudera né?
Aí, certa vez, o professor de matemática fez a chamada e percebeu que ela não respondera, pois o nome dela ainda não estava listado entre os demais. Naturalmente, perguntou-lhe:
– Qual o seu nome, minha querida?
– Adriana! – foi só o que ela respondeu, baixando o olhar logo em seguida.
Então, como bom samaritano, tentei intervir:
– Ferrou Geral, professor, é Ferrou Geral!
Não teve como a turma não vir abaixo em uma estrondosa gargalhada. Ao invés de ajudar, tudo o que eu fizera fora ferrar geral... Fazer o quê?
Só depois é que o pobre professor, tão ou mais desconcertado do que eu, entendeu o que se passava...

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A ninja de pretinho básico...


Por Antonio Nunes

Seguiram-se dias de duro embate. As tradições e as diferenças culturais de seus ancestrais faziam-se sentir a cada novo encontro, que se tornavam cada vez mais frequentes e duradouros. Ela não queria de jeito nenhum ceder, pois não fazia parte de sua índole demonstrar qualquer sinal de fraqueza ou de submissão. Para ela era inadmissível confessar o desejo latente, a admiração e a paixão que, embora escondida e não estampada em seu rosto, crepitava em seu coração...
Um pesado orgulho de gerações suplantava qualquer tentativa de aproximação e eles apenas se entreolhavam à distância, separados pelo denso portão de ferro que o separava do jardim da casa ela, sempre repleto de flores, verdadeiramente inundado de cores, das ruas semiesburacadas por onde ele transitava para ganhar a vida como mercador de ilusões. Pois bem, ele era um simples artesão, fabricantes de marionetes que, mais de que para o seu sustento, serviam ao intuito de levar alegria às crianças pobres da região.
Com sua magia, ele fazia com que sorrisos se abrissem, olhos brilhassem e que, por instantes, mergulhassem em um mundo melhor – acreditando que ele poderia realmente existir e que tudo poderia ser bem diferente do que em realidade era – aqueles acorriam a vê-lo em seus espetáculos em sua modesta caixa de apresentações. Assim, embora de coração áspero, preparado para resistir às tentações do amor, ela também cedeu aos encantos dele, à sua singularidade, à sua mais que honesta sinceridade.
Entretanto, a sua formação de brava guerreira a fazia querer resistir àqueles singelos encantos que em outros corações talvez não pudessem vingar. Parecia até força do destino que se cumpria assim, do jeitinho que eu vou contar, preste atenção.
E, então, ela deu o golpe final, irresistível, fatal: deixou cair o vestido e o convidou ao ofurô... levando-o a terminar a noite no sono dos justos e dos ímpios... e dos apaixonados!


sábado, 14 de fevereiro de 2009

Oficina de Contos


Neste sábado pela manhã (14/02/2009), tivemos mais um encontro de nossa Oficina de Formação de Novos Autores de Contos. Discutimos a evolução dos contos, que foram cuidadosamente lapidados. Foi também um momento de muita descontração. O que não faltou foram boas gargalhadas e muitas histórias que "dariam um bom conto".
Muito em breve estareamos agendando novo encontro literário, terapêutico (terapia do riso) e de novas e saudáveis amizades. Até lá! Abraços a todos, da terra do frevo e do maracatu, Tonton.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A sedução de Titina...


Por Antonio Nunes
Adamastor Tinhorão Júnior era, sem dúvida, um dos homens mais ricos das Gerais. Era comerciante ágil. Ganhava anualmente rios de dinheiro, mesmo no Vale do Jequitinhonha. Aprendera, desde cedo, com Tinhorão pai, que todo e qualquer negócio honesto era bem vindo. E assim foi amealhando ganhos e aumentou a já polpuda fortuna recebida. Era filho único, não era casado e nem tinha filhos. Era cobiçado. Entretanto, tinha fama de ser duro na queda, além de galanteador. Negociava bois, cavalos, couro, café, borracha, madeira, aço, pedras preciosas e até peles de animais.
Ah! Isso se passava nos anos 60 e ainda não havia maiores preocupações ambientais...
Foi então que ele foi parar em Diamantina, bem naquele casarão da Rua da Glória e se encantou duplamente: com os olhos de Maria Cristina e com as ancas de Isaltina. A primeira baixando o olhar para não fitá-lo diretamente aos olhos e a outra a sorrir-lhe maliciosamente ao servi-lo o gostoso café, quente e forte que ele tanto gostava e que tomava aos cântaros na presença delas...
As visitas se repetiram, ganharam intensidade. E Tinhorão, cada vez mais, era servido com o que de melhor havia na casa. Entre goles de café servidos no bule de prata finamente decorado e as mordidas provocantes nos biscoites de polvilho doce, derretidos na ponta da língua – daquele jeito bem próprio para provocar –, ele encontrou uma paixão verdadeira. O sentimento tomou-o de assalto, de maneira tão forte que ele mesmo, anos depois, confessou-me que aquela foi a primeira e a derradeira... sem igual, nem comparação, diferente de tudo que já havia vivido. E olha que ele era, como dizemos por aqui, bastante rodado... Mas, só encontrou decepção...
Esperto que era, tratou de colocar preto no branco, assinado e passado em cartório, que não haveria comunhão de bens no casório e que, se não tivessem filhos, toda a herança iria, tostão por tostão, para a Santa Casa de Misericórdia...
Pois assim foi, meus amigos, enquanto de um lado ele ficou na ilusão, do outro, Titina ficou só com o sucesso parcial de sua sedução. Não conseguiu o êxito de levá-lo ao altar, por que não se satisfez em amá-lo sem quinhão...
E o Adamastor que não era bobo nem nada, voltou a colocar os pés na estrada. Desiludido, é verdade, mas com os cobres ainda na mão... A cada noite bem dormida, agradecia à companheira da noitada presenteando-a pela manhã com um fino corte de tecido e um perfume dos bão... Dizem que existem uns bacurinhos, já na terceira geração, espalhados por aí, com a cara e o jeitão dele. Aguardam o resultado do exame de DNA... A Santa Casa diz que não...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Que se pasa?


Ella dice: - Besos, esta noche te escribo...

Y nunca mas le envió una única línea...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A causa de la distancia...


Por Antonio Nunes

Mientras no estás junto a mi,

ni, tampoco, cerca de mis cariños,

uso las palabras como plumas

de pajaritos de papel

para que mis sentimientos

lleguen a ti...

De valsa...


Para Conceição Torres - que propiciou o mote...

Por Antonio Nunes

Maria Quitéria das Mercês era daquelas pessoas que nasceram predestinadas, com o futuro já traçando, não importando o que façam para mudá-lo, pois as forças cósmicas conspiram e o fazem chegar aonde tinha que estar – mesmo que seja na hora e no local errados, como diriam outros. Afinal, a intransponível sina sempre vence! Não é verdade? Então, de nada adianta remar contra a maré... Há de se contentar com o menos dos prejuízos e acender uma vela para o anjo da guarda não estar de férias no momento em que você mais precisar dele... Pelo menos para amenizar...
Filha bastarda do Coronel Ludugero, de ricas posses e muitas minas na região de Diamantina, pobrezinha, desde cedo pagou com a exclusão por sua beleza, por sua tez branca e pelas belas curvas herdadas de sua mãe a mulata Etelvina. Assim sendo, não tinha ainda completado os oito anos de idade quando foi levada – para não dizer abandonada – no Colégio das Vicentinas. E lá cresceu, ganhou corpo e formosura, além de esmerada educação. Mas tudo isso não lhe serviu de passaporte para a felicidade, é o que se imagina até hoje...
Vivia escondida. Nem as freiras, nem as moiçolas da sociedade com quem convivia queriam que a sua beleza fosse apreciada fora daqueles muros. Quanta inveja! E isso nos idos de 1940, Diamantina acabara de ser declarada patrimônio nacional. A humanidade sempre foi igual em todos os tempos... e continua a mesma.
Mas nem só de dias de gata borralheira viveu a nossa personagem. Dia do padroeiro, dia de Santo Antonio, casamenteiro, as meninas ficaram todas esperançosas de por as caras na rua, de ver a vida pulsante, tal como ela é. Não se sabe bem de quem nasceu a ideia, porém o sucesso foi imediato. Em plena quermesse armaram uma barraca de beijos. As moiçolas, Quitéria entre elas, colocavam o mais marcante carmim e carimbavam as bochechas dos cavalheiros galantes que faziam fila para serem premiados. Como a coisa era de se esperar, a fila foi se formando no lado de Quitéria... Então, alguma delas inventou fazer rodízio das beijoqueiras. Teve caboclo que entro na fila mais de meia dúzia de vezes só para ver se ganhava um beijo dela... Aquele foi um dia de princesa! Talvez o único em sua vida...
Mas, destino é destino... Enquanto o seu pai e protetor enchia as burras da irmandade com algumas polpudas doações foi-lhe permitido viver naquele meio. Todavia, um dia ele faleceu e a viúva oficial não descansou enquanto não a viu sem eira nem beira. Quitéria foi expulsa, execrada, posta na rua apenas com a roupa do corpo e mínimas mudas de roupas íntimas. Triste, muito triste a cena. E ninguém fez nada por ela!
Sem saber o que fazer, viu-se apontada pelas ruas da cidade, como se fosse a maior das pecadoras deste mundo. Como se fosse o fruto proibido que a todo custo queriam ver-se livre dele. Somente então soube de sua origem. Que constrangimento! E naquele momento pegou carona com o primeiro motorista de caminhão que partia para longe dali, para Belo Horizonte, aonde veio desembocar. Na cidade grande, sem dinheiro nem amigos, não soube o que fazer. Contudo, ela não era de se entregar. Caminhando pela cidade viu um letreiro dizendo assim: “Precisa-se de instrutor para aulas de dança”. Aquela vaga ela conquistou, trabalhou, juntou algum trocado e num certo dia voltou para rever sua querida Diamantina.
Por coincidência era 13 de junho outra vez. E haveria um baile nos salões do clube municipal, bem naquela noite. Como ela estava bonita... De belo vestido, de faces coradas, de aspecto mais que saudável. Era a mais encantadora das visões que alguém já podia ter posto os olhos naquela pacata cidade...
Um belo rapagão a tirou para dançar... Bailou, bailou... E como não podia deixar de ser, chamou a atenção, atiçou a cobiça dos solteiros e colocou as solteiras em promoção, colocadas na prateleira mesmo. Afinal, nenhuma outra tinha seus encantos, sua leveza...
Enfim, a maldade humana não tardou a ganhar espaço e despejar-se de um coração amargo, odioso. Percebendo que Lindolfo o melhor partido da região por ela se encantara, Gerusa Onofre despeitada que estava, pois o queria somente seu e não admitira a rejeição que recebera, destilou aos ouvidos da mãe do pretendente da outra e seu pretendido a macabra confissão:
– Ela vive na capital, de mão em mão, ganha dinheiros dos homens entre sorrisos e satisfações, vejam só os lábios em puro rubor. Ela é de valsa, de valsa como ela só...
E aquilo foi o suficiente para se instalar o escândalo. Dizem que o baile acabou por ali mesmo, que Lindolfo tentou a todo custo dissuadir Quitéria de sua ideia de ir-se embora no mesmo momento e que ela desde aquele dia descobriu um jeito de ganhar muito mais dinheiro dos homens que caiam aos seus pés diante de sua beleza...
É caro leitor, dizem mesmo que língua de um povo é coisa viva, dinâmica e que naquele baile o nosso humilde vernáculo ganhou uma nova palavra de tom mais que pejorativo. Se isso tudo é verdade, eu não saberia dizer... Sei apenas que o destino de Quitéria é um completo mistério, indevassável, virou lenda... Nas noites de lua cheia dizem que o espírito dela percorre as ladeiras da cidade convidando jovens incautos a bailar. E isso, eu mesmo vivi... Sorte minha que não sei dançar!


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Modernidades...


Por Antonio Nunes


- Você se lembra do Chico?

- Que Chico? Existem tantos Chicos!

- O Chico de Catolé, aquele que tinha mania de registrar tudo!

- Ah, o Chico que fotografava, gravava e filmava tudo, parecendo o índio Juruna?

- Esse mesmo! Da última vez que o encontrei estava todo feliz da vida. Tinha comprado um baita celular, deses mais que modernos, com câmera, acesso à internet, tudo integrado em um só aparelho, mais moderno que muitos lap-tops...

- Puxa, ele tinha um baita complexo de se chamar Chico, ser do interior, baixinho e cabeça chata...

- Pois é, tanto que ele fazia questão de gastar cada centavo que ganhava na mais recente tecnologia disponível...

- E aí, o quê é dele?

- Defunto!

- Defunto?

- Pois é, morreu de dengue. Doença moderna, sabe...