terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A ninja de pretinho básico...


Por Antonio Nunes

Seguiram-se dias de duro embate. As tradições e as diferenças culturais de seus ancestrais faziam-se sentir a cada novo encontro, que se tornavam cada vez mais frequentes e duradouros. Ela não queria de jeito nenhum ceder, pois não fazia parte de sua índole demonstrar qualquer sinal de fraqueza ou de submissão. Para ela era inadmissível confessar o desejo latente, a admiração e a paixão que, embora escondida e não estampada em seu rosto, crepitava em seu coração...
Um pesado orgulho de gerações suplantava qualquer tentativa de aproximação e eles apenas se entreolhavam à distância, separados pelo denso portão de ferro que o separava do jardim da casa ela, sempre repleto de flores, verdadeiramente inundado de cores, das ruas semiesburacadas por onde ele transitava para ganhar a vida como mercador de ilusões. Pois bem, ele era um simples artesão, fabricantes de marionetes que, mais de que para o seu sustento, serviam ao intuito de levar alegria às crianças pobres da região.
Com sua magia, ele fazia com que sorrisos se abrissem, olhos brilhassem e que, por instantes, mergulhassem em um mundo melhor – acreditando que ele poderia realmente existir e que tudo poderia ser bem diferente do que em realidade era – aqueles acorriam a vê-lo em seus espetáculos em sua modesta caixa de apresentações. Assim, embora de coração áspero, preparado para resistir às tentações do amor, ela também cedeu aos encantos dele, à sua singularidade, à sua mais que honesta sinceridade.
Entretanto, a sua formação de brava guerreira a fazia querer resistir àqueles singelos encantos que em outros corações talvez não pudessem vingar. Parecia até força do destino que se cumpria assim, do jeitinho que eu vou contar, preste atenção.
E, então, ela deu o golpe final, irresistível, fatal: deixou cair o vestido e o convidou ao ofurô... levando-o a terminar a noite no sono dos justos e dos ímpios... e dos apaixonados!


sábado, 14 de fevereiro de 2009

Oficina de Contos


Neste sábado pela manhã (14/02/2009), tivemos mais um encontro de nossa Oficina de Formação de Novos Autores de Contos. Discutimos a evolução dos contos, que foram cuidadosamente lapidados. Foi também um momento de muita descontração. O que não faltou foram boas gargalhadas e muitas histórias que "dariam um bom conto".
Muito em breve estareamos agendando novo encontro literário, terapêutico (terapia do riso) e de novas e saudáveis amizades. Até lá! Abraços a todos, da terra do frevo e do maracatu, Tonton.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A sedução de Titina...


Por Antonio Nunes
Adamastor Tinhorão Júnior era, sem dúvida, um dos homens mais ricos das Gerais. Era comerciante ágil. Ganhava anualmente rios de dinheiro, mesmo no Vale do Jequitinhonha. Aprendera, desde cedo, com Tinhorão pai, que todo e qualquer negócio honesto era bem vindo. E assim foi amealhando ganhos e aumentou a já polpuda fortuna recebida. Era filho único, não era casado e nem tinha filhos. Era cobiçado. Entretanto, tinha fama de ser duro na queda, além de galanteador. Negociava bois, cavalos, couro, café, borracha, madeira, aço, pedras preciosas e até peles de animais.
Ah! Isso se passava nos anos 60 e ainda não havia maiores preocupações ambientais...
Foi então que ele foi parar em Diamantina, bem naquele casarão da Rua da Glória e se encantou duplamente: com os olhos de Maria Cristina e com as ancas de Isaltina. A primeira baixando o olhar para não fitá-lo diretamente aos olhos e a outra a sorrir-lhe maliciosamente ao servi-lo o gostoso café, quente e forte que ele tanto gostava e que tomava aos cântaros na presença delas...
As visitas se repetiram, ganharam intensidade. E Tinhorão, cada vez mais, era servido com o que de melhor havia na casa. Entre goles de café servidos no bule de prata finamente decorado e as mordidas provocantes nos biscoites de polvilho doce, derretidos na ponta da língua – daquele jeito bem próprio para provocar –, ele encontrou uma paixão verdadeira. O sentimento tomou-o de assalto, de maneira tão forte que ele mesmo, anos depois, confessou-me que aquela foi a primeira e a derradeira... sem igual, nem comparação, diferente de tudo que já havia vivido. E olha que ele era, como dizemos por aqui, bastante rodado... Mas, só encontrou decepção...
Esperto que era, tratou de colocar preto no branco, assinado e passado em cartório, que não haveria comunhão de bens no casório e que, se não tivessem filhos, toda a herança iria, tostão por tostão, para a Santa Casa de Misericórdia...
Pois assim foi, meus amigos, enquanto de um lado ele ficou na ilusão, do outro, Titina ficou só com o sucesso parcial de sua sedução. Não conseguiu o êxito de levá-lo ao altar, por que não se satisfez em amá-lo sem quinhão...
E o Adamastor que não era bobo nem nada, voltou a colocar os pés na estrada. Desiludido, é verdade, mas com os cobres ainda na mão... A cada noite bem dormida, agradecia à companheira da noitada presenteando-a pela manhã com um fino corte de tecido e um perfume dos bão... Dizem que existem uns bacurinhos, já na terceira geração, espalhados por aí, com a cara e o jeitão dele. Aguardam o resultado do exame de DNA... A Santa Casa diz que não...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Que se pasa?


Ella dice: - Besos, esta noche te escribo...

Y nunca mas le envió una única línea...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A causa de la distancia...


Por Antonio Nunes

Mientras no estás junto a mi,

ni, tampoco, cerca de mis cariños,

uso las palabras como plumas

de pajaritos de papel

para que mis sentimientos

lleguen a ti...

De valsa...


Para Conceição Torres - que propiciou o mote...

Por Antonio Nunes

Maria Quitéria das Mercês era daquelas pessoas que nasceram predestinadas, com o futuro já traçando, não importando o que façam para mudá-lo, pois as forças cósmicas conspiram e o fazem chegar aonde tinha que estar – mesmo que seja na hora e no local errados, como diriam outros. Afinal, a intransponível sina sempre vence! Não é verdade? Então, de nada adianta remar contra a maré... Há de se contentar com o menos dos prejuízos e acender uma vela para o anjo da guarda não estar de férias no momento em que você mais precisar dele... Pelo menos para amenizar...
Filha bastarda do Coronel Ludugero, de ricas posses e muitas minas na região de Diamantina, pobrezinha, desde cedo pagou com a exclusão por sua beleza, por sua tez branca e pelas belas curvas herdadas de sua mãe a mulata Etelvina. Assim sendo, não tinha ainda completado os oito anos de idade quando foi levada – para não dizer abandonada – no Colégio das Vicentinas. E lá cresceu, ganhou corpo e formosura, além de esmerada educação. Mas tudo isso não lhe serviu de passaporte para a felicidade, é o que se imagina até hoje...
Vivia escondida. Nem as freiras, nem as moiçolas da sociedade com quem convivia queriam que a sua beleza fosse apreciada fora daqueles muros. Quanta inveja! E isso nos idos de 1940, Diamantina acabara de ser declarada patrimônio nacional. A humanidade sempre foi igual em todos os tempos... e continua a mesma.
Mas nem só de dias de gata borralheira viveu a nossa personagem. Dia do padroeiro, dia de Santo Antonio, casamenteiro, as meninas ficaram todas esperançosas de por as caras na rua, de ver a vida pulsante, tal como ela é. Não se sabe bem de quem nasceu a ideia, porém o sucesso foi imediato. Em plena quermesse armaram uma barraca de beijos. As moiçolas, Quitéria entre elas, colocavam o mais marcante carmim e carimbavam as bochechas dos cavalheiros galantes que faziam fila para serem premiados. Como a coisa era de se esperar, a fila foi se formando no lado de Quitéria... Então, alguma delas inventou fazer rodízio das beijoqueiras. Teve caboclo que entro na fila mais de meia dúzia de vezes só para ver se ganhava um beijo dela... Aquele foi um dia de princesa! Talvez o único em sua vida...
Mas, destino é destino... Enquanto o seu pai e protetor enchia as burras da irmandade com algumas polpudas doações foi-lhe permitido viver naquele meio. Todavia, um dia ele faleceu e a viúva oficial não descansou enquanto não a viu sem eira nem beira. Quitéria foi expulsa, execrada, posta na rua apenas com a roupa do corpo e mínimas mudas de roupas íntimas. Triste, muito triste a cena. E ninguém fez nada por ela!
Sem saber o que fazer, viu-se apontada pelas ruas da cidade, como se fosse a maior das pecadoras deste mundo. Como se fosse o fruto proibido que a todo custo queriam ver-se livre dele. Somente então soube de sua origem. Que constrangimento! E naquele momento pegou carona com o primeiro motorista de caminhão que partia para longe dali, para Belo Horizonte, aonde veio desembocar. Na cidade grande, sem dinheiro nem amigos, não soube o que fazer. Contudo, ela não era de se entregar. Caminhando pela cidade viu um letreiro dizendo assim: “Precisa-se de instrutor para aulas de dança”. Aquela vaga ela conquistou, trabalhou, juntou algum trocado e num certo dia voltou para rever sua querida Diamantina.
Por coincidência era 13 de junho outra vez. E haveria um baile nos salões do clube municipal, bem naquela noite. Como ela estava bonita... De belo vestido, de faces coradas, de aspecto mais que saudável. Era a mais encantadora das visões que alguém já podia ter posto os olhos naquela pacata cidade...
Um belo rapagão a tirou para dançar... Bailou, bailou... E como não podia deixar de ser, chamou a atenção, atiçou a cobiça dos solteiros e colocou as solteiras em promoção, colocadas na prateleira mesmo. Afinal, nenhuma outra tinha seus encantos, sua leveza...
Enfim, a maldade humana não tardou a ganhar espaço e despejar-se de um coração amargo, odioso. Percebendo que Lindolfo o melhor partido da região por ela se encantara, Gerusa Onofre despeitada que estava, pois o queria somente seu e não admitira a rejeição que recebera, destilou aos ouvidos da mãe do pretendente da outra e seu pretendido a macabra confissão:
– Ela vive na capital, de mão em mão, ganha dinheiros dos homens entre sorrisos e satisfações, vejam só os lábios em puro rubor. Ela é de valsa, de valsa como ela só...
E aquilo foi o suficiente para se instalar o escândalo. Dizem que o baile acabou por ali mesmo, que Lindolfo tentou a todo custo dissuadir Quitéria de sua ideia de ir-se embora no mesmo momento e que ela desde aquele dia descobriu um jeito de ganhar muito mais dinheiro dos homens que caiam aos seus pés diante de sua beleza...
É caro leitor, dizem mesmo que língua de um povo é coisa viva, dinâmica e que naquele baile o nosso humilde vernáculo ganhou uma nova palavra de tom mais que pejorativo. Se isso tudo é verdade, eu não saberia dizer... Sei apenas que o destino de Quitéria é um completo mistério, indevassável, virou lenda... Nas noites de lua cheia dizem que o espírito dela percorre as ladeiras da cidade convidando jovens incautos a bailar. E isso, eu mesmo vivi... Sorte minha que não sei dançar!


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Modernidades...


Por Antonio Nunes


- Você se lembra do Chico?

- Que Chico? Existem tantos Chicos!

- O Chico de Catolé, aquele que tinha mania de registrar tudo!

- Ah, o Chico que fotografava, gravava e filmava tudo, parecendo o índio Juruna?

- Esse mesmo! Da última vez que o encontrei estava todo feliz da vida. Tinha comprado um baita celular, deses mais que modernos, com câmera, acesso à internet, tudo integrado em um só aparelho, mais moderno que muitos lap-tops...

- Puxa, ele tinha um baita complexo de se chamar Chico, ser do interior, baixinho e cabeça chata...

- Pois é, tanto que ele fazia questão de gastar cada centavo que ganhava na mais recente tecnologia disponível...

- E aí, o quê é dele?

- Defunto!

- Defunto?

- Pois é, morreu de dengue. Doença moderna, sabe...