terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ah, moleque...



Por Antonio Nunes (Tonton)
Ilustração Braga Câmara


Onde eu nasci, desde muito pequeno, a gente tinha que ficar esperto. Pra correr atrás de bola, pra correr por entre as vielas para escapar do fogo cruzado e, por muitas vezes, pra correr do chinelo certeiro arremessado por sobre nossas cabeças, quando fazíamos algumas travessuras. E olha que não foram poucas. Uma bola suja acertando a roupa limpinha pendurada no varal, por exemplo. Vez por outra, estávamos a ouvir: - Ah, moleque, se eu te pego... O pior é que, vez por outra,sempre alguém era pego. Aí já viu, né... O couro esquentava e as lágrimas desciam.
Fui crescendo e aprendendo a correr mais e mais. Até que fui descoberto por um desses caça-talentos. Destacava-me de todos os garotos de minha idade. Com o treinamento adequado, fui evoluindo gradativamente aquela habilidade a duras penas desenvolvida: a velocidade na corrida. Em pouco tempo comecei a participar de competições e a conquistar as primeiras vitórias.
O meu treinador diz que estarei tinindo para as próximas olimpíadas, aqui mesmo no Brasil. Mas, o que eu queria mesmo era correr como um raio com a bola nos pés. Infelizmente, não tenho esta capacidade. Vou ter que me contentar com o vento batendo em meu rosto, com os aplausos e o sentimento de missão cumprida em poucos segundos, ao desacelerar.
Pra falar a verdade, eu gostaria mesmo era de pular e dar um soco no ar como o Pelé, pois aquilo sim é que era comemoração. Que vibração! Quanta emoção! Ah, moleque...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Prazeres efêmeros...



Quem diria, quem diria... que do alto de seus mais de oitenta anos, ares de bom vovô de filme da Disney, boina azul, óculos ovalados, de padrão de pele de crocodilo, cobrindo quase a metade do rosto, calças coronhas deixando à mostra as meias também azuis, sapatos tipo mocassim, marrons, combinando com o suspensório e com a capanga presa à mão, pela alça firmemente empunhada, seu Astor seria recolhido à delegacia do bairro, por pretensamente infringir aos bons costumes.
Segundo o próprio comissário que fora atender a ocorrência, era simplesmente inacreditável que pairasse sobre ele aquela acusação. Afinal, nas redondezas a fama que corria dele era que se tratava de cidadão dos mais dignos, profundo respeitador dos valores da família, da moral, da tradição e de elevado amor à pátria, que trazia estampado em broche da bandeira nacional fixado à lapela de suas camisas de linho impecavelmente engomadas.
Interrogado a respeito do ocorrido, verificou-se que, em razão de sua avançada idade e da natureza do pretenso ilícito, pouco se poderia exigir de reparação à sociedade ou à vítima, Maria Aparecida, balzaqueana reboculosa, outrora porta-bandeira e passista-primeira da escola de samba das redondezas, que devia estar beirando os quarenta e poucos anos, em quase impecável forma. Após ouvir o palavrório do delegado, fazendo cara de não tô nem aí, seu Astor foi liberado, posto em liberdade para continuar com sua sina.
Tonhão, mecânico da oficina da esquina, em cujo primeiro andar residia o nosso querido personagem e que, por isso, o conhecia como ninguém mais, perguntou-lhe:
- Ô vovô, com tanta experiência, como foi dar uma bobeira dessas? Perdeu a prática?
- Que nada, rapaz! – respondeu ele, ao que continuou:
- Prazeres efêmeros, prazeres efêmeros...
Como não entendeu nadica de nada daquela metáfora, Tonhão sentenciou:
- Explica aí, que nessa eu viajei na maionese...
E participou silenciosamente daquele diálogo...
- Vê só, tudo ia bem, passava a mão na bunda das incautas, fazia cara de velhinho desconsolado e, calmamente, tirava o celular do bolso traseiro das calças delas... Elas adoravam aquela sensação... Pense numa cara de felicidade de algumas delas...

- Metia o aparelho na capanga e descia de fininho na próxima parada de ônibus... Limpeza geral, mais discreto impossível...

- Só que dessa vez não deu tempo, tive que botar o celular no bolso da frente de minhas calças...

- A cabocla apalpou e sacou tudo, tudinho...

- Quase vou em cana...

- Só porque dei uma esfregadinha a mais nela, por um mísero prazer efêmero...

- É, você tem razão, estou perdendo a prática...

- Ou eu devolvia o celular, ou completava o serviço... me chantageou a cachorra!

- Como ela percebeu que não ia ser atendida em seus desejos, armou o maior escândalo...

- Filha da mãe vingativa...

Foi tanta a raiva que jogou a boina ao chão e pisoteou-a vigorosamente. Logo em seguida, como se nada daquilo tivesse acontecido, a apanhou, sacudiu a poeira e a colocou na cabeça outra vez, para sair, fagueiramente, em direção à estação do metrô mais próxima...