segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Constrangimento ilegal...


Eu e minha esposa estávamos mais que contentes. Como professor universitário eu havia sido premiado com um estágio de três meses em uma das maiores e mais importantes universidades do mundo. Era uma parte de nossos sonhos se tornando realidade. Afinal, havíamos trabalhado arduamente para conquistarmos aquele reconhecimento internacional que, certamente, seria um marco divisor de águas em minha carreira profissional. Estávamos casados havia poucos meses, embora convivêssemos há mais de uma década. Ela havia sido minha aluna ainda durante o seu curso de graduação e, como não raro, a admiração mútua nos levara a um romance que, em nosso caso, resultara em um casamento e uma parceria intelectual felizes.
Para completar a nossa felicidade faltava-nos apenas a chegada de um herdeiro ou herdeira – já em planejamento – que deveria ter lugar em nossa volta desta viagem. Estávamos realmente felizes com o momento promissor em todas as esferas de nossas vidas. Somente um pequeno detalhe nos preocupava. Minimamente, é verdade. Melhor seria dizer que nos obrigava a alguns cuidados extras. Ela tinha extrema sensibilidade aos hormônios dos anticoncepcionais e, em razão disso, não se sentia bem ao utilizá-los. Por orientação médica tivemos que nos remediar na “tabelinha” e nos muitos preservativos até que decidíssemos nos liberar ao acaso e à boa sorte da natureza em matéria de fecundação e geração de filhos. Ok, pode dizer procriação mesmo se assim entender mais apropriado.
Foi aí que tudo começou a...
Malas prontas, roupas de frio devidamente preparadas para a nossa estada naqueles meses de muito frio no inverno do hemisfério norte, rumamos para a minúscula cidadezinha, uma verdadeira vila de interior, em cujos arredores faríamos a pesquisa de campo necessária ao bom desenvolvimento do estudo.
Antecipando-nos à dificuldade de encontrarmos preservativos naquele longínquo rincão, compramos de última hora uma caixa com 120 unidades. Nas pressas para rumarmos ao aeroporto, as atiramos em nossa bagagem. Para quê? Desembarque lotado, alfândega lenta, inspeção por raios x e... PEM, PEM, PEM!!!
Luzes vermelhas acessas, piscando, policiais correndo para aqui e para acolá... e tudo por nossa causa. Sem termos bem noção do que estava acontecendo, fomos retirados imediatamente dali e levados para a sala de interrogatórios da polícia nacional daquele país de pessoas frias, desconfiadas com tudo. Diria mesmo que em pânico... Ou estariam obcecadas por uma falsa noção de segurança desde o 11 de setembro? Sei lá, coisa mais estranha...
Mas, como eu ia dizendo, acharam que éramos –imaginem só – eu e minha esposa terroristas, mellhor dizendo, traficantes internacionais associados a perigosos narcotraficantes. De nada adiantava explicar as recomendações médicas em relação à saúde de minha mulher, nem dizer que havia uso melhor para os preservativos que enchê-los com drogas e engoli-los aos montes... Eu, heim?!?
Não acreditavam que tantas camisinhas eram apenas para o seu uso mais tradicional, corriqueiro. Acreditaram muito menos quando falamos do número médio de relações sexuais que mantínhamos semanalmente, ainda mais olhando para mim, já com certa idade, amadurecido e com boa parte dos cabelos ficando grisalhos.
Não deu outra... Nos trancafiaram numa salinha minúscula até terem tempo de confirmar tudo o que dizíamos, em embaixadas, universidades daqui e de lá, etc, etc, etc. O tempo foi passando, passando... e como sequer fomos levados a um dormitório ao cair da noite, sabe como é né, casal de brasileiros, sangue latino, friozinho, precisando desestressar e nada melhor para fazer... Pimba! Quero dizer, não deu outra... Afinal, como disse certa ministra, nessas horas relaxa...
Pela manhã, apos breves desculpas pelo mal entendido, fomos liberados por uma policial que não fazia nenhuma cara de amizade, pelo contrário, olhava enfezada que só ela para o companheiro de serviço bem defronte a ela. Com aquele olhar de quem fuzila o outro. Sabe bem como é, né?
Estágio cumprido, dois maravilhosos artigos escritos, revisados, prontinhos para publicação, o seminário para apresentação do relatório de viagem já elaborado e devidamente enviado para casa pelo correio eletrônico, só nos faltava tomar o avião e rumarmos de volta ao Brasil. E lá estávamos nós na aduana mais uma vez. Agora sorríamos lembrando do ocorrido em nossa chegada. Foi então que reconheci o policial, aquele pretensamente fuzilado pelo olhar da colega. Trazia no rosto indisfarçáveis olheiras e estava um pouco mais magro. Até eu com a minha habitual desatenção para detalhes desta natureza pude notar.
Ele se aproximou, conferiu nossa documentação, carimbou nossos passaportes liberando-nos para tomarmos o vôo e, então, puxando-me levemente pelo braço para junto de si, perguntou-me:
– Como o senhor tem saúde para tanto? – falou-me com ares de interessado, como se pedisse um tônico para fazer face ao visível esgotamento físico e mental.
Abrindo a valise de minha esposa, peguei um frasco de comprimidos de farinha de trigo, puro placebo, que havia sobrado dos experimentos e receitei-lhe um a cada dois dias. Meio daqueles, como dose diária. Minha esposa gargalhou quando, ao afivelar os cintos para partirmos, contei-lhe o ocorrido.
E sorrindo, senti-me vingado pelo constrangimento ilegal pelo qual havíamos passado. Por um instante tive um pouco de compaixão do coitado do guarda pelo que acabara de fazer a ele e disse a mim mesmo:
– Não tem como funcionar...
Mas, sabe como é mente de cientista, não é verdade? Instalou-se uma dúvida e, então, perguntei a mim mesmo:
– E se funcionar?
Se porventura funcionasse? Teria em mãos a motivação para mais um pós-doutorado e a hipótese da descoberta a ser confirmada seria simplesmente sensacional! Estaria aberto o caminho ao Nobel, ora essa...

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