sábado, 15 de agosto de 2009

A quinta virgem


Ainda que tudo estivesse a seu favor, nada o faria avançar além do permitido. Afinal, era um perfeito cavalheiro. Abriria a porta do carro para ela e a conduziria em segurança – pelo menos era o que se imaginava – para o cinema, depois para um jantar romântico e, se tudo desse certo, por fim, terminariam a noite na casa dele. Bem, se não houvesse resistência por parte dela... E se houvesse?
Tudo aquilo eram desejos que naquele dia poderiam se concretizar. Aqueles olhos cheios de vida, brilhantes o haviam conquistado. Ou melhor, seduzido desde o primeiro instante em que cruzaram com os dele. E já não havia mais espaço para nada no pensamento dele desde então. Estava tudo perfeitamente planejado, nos mínimos detalhes. Devidamente cronometrado, calculado, recalculado. Ela não lhe escaparia... Improvável!
Banho tomado, a melhor roupa posta, a fragrância do perfume a dominar o ambiente. Ramalhete de flores do campo sobre a mesa. Era apanhá-lo, tomar as chaves do carro em mãos e cumprir exatamente o que havia arquitetado, passo a passo, como meticulosamente imaginado. Um sorriso irônico de satisfação dominou-lhe a face quando ajustou o espelho retrovisor antes de sair da garagem.
Na hora marcada, sem um minuto sequer de atraso, lá estava ele à entrada do edifício dela, que já o aguardava com um sorriso ingênuo de felicidade. Ele saltou do carro, abriu a porta – como costumeiramente fazia, com ares de gentil sedutor, é verdade, para todas as incautas que adentravam aquele veículo cuidadosamente lava, polido e aromatizado para ocasiões como aquela – e pigarreou discretamente, tentando disfarçar uma ansiedade incontida. Primeira etapa vencida...
Em poucos minutos chegaram ao cinema. Bilhetes comprados com antecedência – para os melhores lugares da sala, não havia dúvidas – e uma película que versava sobre um lindo caso de amor que superava todas as dificuldades cumpririam o esperado para a segunda etapa. Aliás, o plano ia melhor do que ele esperava. Tocada pelas cenas e pelo desenrolar da história, os olhos dela marejaram, pelo que suas mãos foram buscar abrigo nas mãos dele. Naquele momento, ele acreditou que ela se entregaria facilmente, vencida, desarmada, completamente à mercê dos caprichos dele.
A encerrar da sessão, ele apoderou-se das mãos dela demonstrando querer, cuidar. Ela imaginou-se protegida e ele supremo, poderoso, tanto que se atreveu a beijar-lhe a testa, ao que foi correspondido recebendo um sincero e afetuoso abraço. Ao notarem que estavam sendo observados com certo interesse pelos transeuntes, apartaram-se, pelo que ela trouxe a mão esquerda à boca, pousando-a timidamente sobre os lábios, na tentativa de esconder um sorriso jacente, pois a direita continuava firmemente entrelaçada à dele.
Nenhuma mulher poderia resistir a tão intensa pressão psicológica. Muito menos ela, que na mais tenra infância fora entregue aos cuidados das freiras de um orfanato em sua longínqua cidade natal. Sim, ele sabia disso. Ela mesma lhe havia dito no terceiro encontro que tiveram numa dessas salas de bate papo da internet. A terceira etapa esta por vir...
Mesa reservada – a de sempre, pois jantava ali todas as semanas, quase na penumbra, mas com privilegiada visão do salão, cardápio e vinhos previamente selecionados, assim como o repertório de músicas – devidamente entregue ao pianista, que seria regiamente remunerado para dar o melhor de si não ocasião – com a devida anuência do dono do estabelecimento. Tudo estava sublime! Impecável! Ele cumpria à risca cada fala exaustiva e rigorosamente ensaiada à frente do espelho...
Restava, tão-somente, o golpe final.
– Posso oferecer-lhe um ultimo drinque? – sentenciou ele.
Com plena ideia do que poderia acontecer-lhe, pois ele já a olhava com olhos de lobo-mau havia cerca de duas horas, ela quis encontrar coragem para enfrentar a situação, mas recuou. Ainda não decidida se deveria aceitar o convite, tentou ganhar algum tempo a mais para refletir e pediu-lhe que dessem uma volta pela longa avenida à beira-mar da cidade. Sendo fim de semana, mesmo por aquelas horas, a orla deveria estar apinhada de gente. Ela dizia a si mesma que, hoje em dia, se pudesse a juventude sequer dormiria para aproveitar intensamente cada minuto da vida.
Então, respirando profundamente, antes que o mínimo sentimento de arrependimento pudesse passar por sua cabeça, disse-lhe de sopetão:
– Anacleto, depressa, toca pro motel Sensação! Vi uma propaganda maravilhosa dele na televisão! Fica a uns poucos quilômetros daqui...
Ela só não sabia – ou não tinha percebido – era que ele jamais havia engatado a quinta marcha no carro e, a julgar pela velocidade que ele conduzia, até lá, o medicamento já teria perdido o efeito.
Taí, apesar dos 84 anos bem vividos, isso, nem ele poderia ter imaginado...

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