segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

AEILIJ se posiciona a respeito do caso Lobato

Em 1º/9/2010, o CNE divulgou o parecer CNE/CEB nº:15/2010, em relação à obra Caçadas de Pedrinho, que provocou imediatamente um debate por parte dos educadores e intelectuais ligados ao meio literário, sobretudo os pesquisadores da obra de Lobato e escritores de LIJ. Existe grande controvérsia em relação à interpretação do parecer, como se pode constatar pela quantidade de artigos e opiniões divergentes expressas principalmente através da internet. No entanto, a questão está posta no centro das atenções e não há como fugir a ela. De fato, o documento do CNE não propõe o banimento da obra de Lobato das escolas, mas atribui conotações racistas a determinadas expressões utilizadas no referido livro e exige da editora a inserção no texto de apresentação de uma nota explicativa sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos raciais na literatura. O mesmo seria feito em relação a outras obras anteriormente selecionadas para o PNBE e que apresentassem situação semelhante.
Como é do nosso entendimento que a questão não se restringe unicamente ao livro ora focalizado, nós, da AEILIJ – Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – gostaríamos de deixar claro que:
1. Somos contra a proibição de quaisquer obras literárias, o que inclui os livros de Monteiro Lobato e os de qualquer outro escritor;
2. Somos contra os exageros da imposição do comportamento "politicamente correto", que, embora não sendo fato recente, tem se exacerbado nos últimos anos;
3. Somos contra a censura explícita ou velada e até sua forma internalizada que vem tomando corpo em vários segmentos da sociedade;
4. Somos a favor de expressões artísticas (e não somente da literatura) livres e responsáveis.
Não nos opomos à inclusão, no livro literário, de prefácios ou fichas de leitura, mas defendemos que estes, quando existirem, sejam uma opção editorial e não uma imposição externa, como condição sine qua non para a adoção ou seleção de determinada obra.
Como tudo na vida sempre tem um lado positivo, aproveitamos este ponto positivo no caso Lobato é que a celeuma em torno do referido parecer levantou uma discussão há muito necessária: a questão do politicamente correto ou (in)correto na LIJ. Para quem não sabe, “politicamente correto” é um conceito americano de controle da liberdade de expressão, para a qual tem trazido imensos retrocessos. Hoje existe uma série de restrições, praticamente uma censura velada em relação à LIJ e nós, autores de texto e imagem, associados da AEILIJ, entendemos que qualquer obra literária se constrói a partir da liberdade de expressão artística.
Acreditamos que esse debate pode e deve levantar uma discussão por parte da sociedade e, sobretudo, das escolas e do MEC, em relação ao que deve ou não ser adotado nas escolas. A literatura precisa ser separada da escolarização, no que este aspecto vem aportando de pior. Escolarizar algo pode ser produtivo, mas, se quisermos de fato formar um país de leitores, como pretendia Lobato, precisamos urgentemente rever toda a relação que a comunidade escolar tem com os livros e com a literatura. Lobato e diversos outros autores não podem ser barrados nas escolas porque as pessoas não querem (ou não sabem como) discutir as questões mais profundas da vida. Diversos autores da LIJ brasileira sofrem este tipo de censura. Ou por parte das editoras, que muitas vezes ficam preocupadas com o que pode ou não ser dito em um livro, por receio da possível dificuldade de adoção, ou simplesmente por parte das escolas, que impedem que temas como folclore, sexualidade, morte, drogas e afins entrem em sala de aula, tudo porque são temas mais delicados que discutem a vida em sua essência. Mas nem sempre as pessoas querem discutir a vida ou muitas vezes nem possuem uma ideia formada sobre tais temas. Com frequência, livros maravilhosos e bem escritos são barrados na escola porque apresentam a vida como ela é, sem fingimentos.
Histórias em que, por exemplo, uma adolescente engravida numa noite em que se embriagou, muitas vezes não encontram espaço no debate escolar porque, alega-se, podem estar incentivando a gravidez precoce, mesmo que o livro vá exatamente na contramão, mostrando as graves consequências da situação. Livros que falam sobre morte ou mesmo suicídio também são recordistas no quesito “barrados no baile”, porque os mediadores de leitura não sabem muito bem como lidar com as dúvidas e os questionamentos dos leitores: crianças e jovens. Enfim, todas as questões que são nossas, as do Homem, acabam sendo vetadas ou mutiladas pela imensa fragilidade de que se sente acometida a sociedade quando deve discutir esses assuntos com seus jovens e suas crianças.
O que foi colocado em pauta nesses últimos dias, muito mais do que uma “recomendação negativa” ao livro Caçadas de Pedrinho, foi a liberdade do leitor em fazer escolhas e a possibilidade de refletir sobre o cotidiano da sociedade, com suas mazelas e idiossincrasias. Afinal, Shangrilá, por enquanto, só existe na ficção.
Por tudo isso, e pelo que ainda possa vir por aí, a AEILIJ tem como palavra de ordem: “Pela Democratização da LITERATURA no Brasil”.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Dorgislando é o cara...




"O cara", que narra o modo muito particular de viver de Dorgislando, foi agraciado com a Menção Honrosa Joaquim Cardozo, na categoria contos, no concurso literário promovido pelo Clube de Engenharia de Pernambuco e a União Brasileira de Escritores - seccional Pernambuco. Esta é a 2a vez que Tonton receberá a premiação. A primeira foi em 2008, pelo conto "O assalto".

Com certeza, você também conhece algum Dorgislando. Pense bem... Todo mundo tem um Dorgislando em sua vida. Não é verdade? Ser Dorgis é, acima de tudo, um estilo de vida: O Dorgisway of life. Pode crer...

O cara...



Por Antonio Nunes

Dorgislando era um sujeito desses que a gente define como... como... Deixe-me ver... Isso: desprovido de ânimo vital, fisicamente esgotado congenitamente. E pior, muito pior: dizem os médicos, com muita propriedade, que não é coisa tão rara de se ver por aí. Então, ponha a mão na consciência e examine suas memórias para ver se você não já encontrou um desses ao longo de sua vida. Todo mundo um dia já cruzou com indivíduos como ele. Não é verdade?

Era daqueles sujeitos que nunca entraram de cabeça em nada. Esforço? Gastar energias pra quê, se outros podem fazer por você? Creio que este é o leitmotiv, o lema de vida dele. Não que seja consciente, é algo mais forte de que ele e pronto! Nem mesmo no momento do próprio nascimento ele colaborou. Ficou lá, quietinho... Pelo que sei, a mãe dele diz que até no momento de nascer o cabra ficou na maciota. Cruzou as pernas, ficou sentadinho esperando a genitora parir – você há de concordar que foi impossível – auxiliada pelos médicos em uma demorada cesariana.

Pelo que parece, ele gostou da posição e dificilmente saía dela. Não dizem que a gente adota naturalmente a posição fetal para descansar, e então? Então, para ele aquilo era extremamente normal: dormir sentado, comer sentado, trabalhar senta... quero dizer... Pausa para meditação: se eu colocar aqui a profissão dele vou acabar sendo processado por uma categoria profissional inteirinha. Então digamos assim: era daqueles que se faziam presente ao ambiente laboral nas terças, quartas e quintas. Isso, isso, ele era um dos famosos TQQ. Daqueles que precisam fazer aquecimento mental na segunda (ou como dizem, sair do modo stand by), se preparam para levantar o que seria preciso fazer na terça (eu disse “seria preciso fazer”), planejam como fazer na quarta, entram em dúvida se aquela é a melhor forma na quinta e que na sexta entram em pré-estágio de hibernação e de recuperação de forças, por que, afinal, ninguém é de ferro. Difícil saber o que eles fazem no sábado e domingo, pois raramente são vistos por aí. Parece que ficam reclusos ao lar, recarregando as baterias, literalmente ligados à tomada até a recarga completa.

Dizem que a elucidação do efeito de “pilha seca” que dá nos aparelhos eletrônicos, aquele em que a carga se esvai rapidamente se a recarga não for feita por completo, foi oriunda da observação dos TQQ. Tá vendo, quem disse que eles eram uns inúteis? Por falar em eletrônicos, eles adoram controles remotos. Tudo o que os faça não fazer esforço tem que fazer parte da vida deles. E desde pequenininhos. Se o seu filho adorar iogurtes, vitaminas ou coisas do gênero, aquilo que pode ser engolido sem o esforço da mastigação, cuidado! Pode haver traços genéticos com o Dorgislando... Dizem que é recessivo. Por pura preguiça esse gene não é dominante!

Pois é, para ele, executar qualquer coisa no gerúndio... Nem pensar. “Ando”, só no nome. Ele bem que comprou uma lambreta, para não ter que andar, é verdade, mas não tirar o capacete nem para tomar banho... Aí foi demais! A esposa – completamente estressada por ter que cuidar da casa, dos filhos, do cachorro e carregar a maleta 007 dele para cima e para baixo – quase surta. Tadinha! Pelo que se sabe, até o carro ela passou a dirigir pra ele.

A gota d’água foi quando ela pediu pra ele dar uma voltinha com o cachorro pelo quarteirão. Ele foi: passou a coleira no animal, colocou a chave na ignição e ligou o carro. Mão esquerda para fora, lá veio o bicho correndo atrás do carro. Quase botando os bofes para fora, é claro... Nunca mais o Totó se animou em dar uma voltinha com ele. Pudera! Dali pra frente não incomodou mais o nosso anti-herói. Pelo contrário, com o rabo entre as pernas o assustado animal fugia dele... Bem que o Dorgislando, de vez em quando, balança a coleira, para fazer média com a patroa...

Esse é o cara! Como diz, resignado, o pobre pai dele: o cara que já nasceu cansado!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Tonton na União Hispanoamericana de Escritores



Prezados amigos,

É com muita honra que informo que, por convite do poeta Odmar Braga, a partir deste mês de novembro de 2010, passei a integrar a União Hispanoamericana de Escritores, com sede em Trujillo, Peru.

Para maiores informações sobre esta organização, os convido a visitarem o sítio web a seguir: http://unionhispanoamericana.ning.com/

E para conhecerem um pouco mais o trabalho do "Ode ao Mar", aquele que tem poesia até no nome, por gentileza, visitem: http://esquinapoetica.zip.net/

Abraços a todos e minhas mais cordiais saudações literárias.

Da terra do frevo e do maracatu, Antonio Nunes (Tonton)

sábado, 20 de novembro de 2010

As minhas mulheres



Por Antonio Nunes (Tonton)

Quando as vejo abraçadas, corpos entrelaçados, unidas em perfeita simbiose, dá-me imenso prazer esta imagem sem beleza igual. Gostaria de tomar parte, de estar entre elas; contudo, não as quero incomodar, perturbá-las em momento tão íntimo. Que maravilhosa sensação imaginá-las completamente minhas e quanta vontade de inundá-las com todo o meu amor. Mas, o momento pede que reserve só para mim estas emoções, que não as desperte de seu repouso. O dia já se esvai, as forças também. Então, aproveito os últimos raios de luz antes do crepúsculo final, recolho-me ao quarto para o ato solitário: escrever a respeito de minha esposa e filha, que repousam, delicadamente, na rede suavemente embalada pela brisa da tarde em nossa varanda.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tonton na formação de jovens leitores e escritores



Hoje, dia 19 de novembro de 2010, foi um dia cheio de alegrias para mim. Para começar o dia, participei na Escola Municipal Compositor Capiba, no bairro de Torrões, aqui em Recife, de um encontro com os alunos do ensino fundamental desta escola (as turmas tinham alunos entre 7 e 9 anos de idade) para falar de literatura infantil, da importância de ler e escrever no cotidiano e, em especial, para discutir "A visão do mundo de um cãozinho de estimação", de minha autoria e que recebeu o Prêmio Elita Ferreira de Literatura Infantil no ano de 2009 (outorgado pela Academia Pernambucana de Letras).

Foi simplesmente super! Eles já haviam lido o livro e feito "arte", recontando e desenhando a história. Sensacional o trabalho dos educadores envolvidos. Conheciam um pouco de minha trajetória pessoal como escritor e estavam com perguntinhas em mãos para satisfazer um pouco de sua natural curiosidade. Assim, exercitaram a leitura e também a escrita. Basta uma boa ideia e boa vontade para oferecer oportunidades e, quem sabe - tomara -, mudar a vida de um cidadão em formação. Não é mesmo?Experimentem!

Com certeza, o que recebemos nessas ocasiões representa bem mais do que podemos oferecer. Parabéns Profa. Sandra Carvalho (que gentilmente me convidou a tomar parte neste momento tão ímpar), Profa. Cristina (gestora da escola) e toda sua equipe.

Que lindinho receber o carinho das crianças (que cantaram para mim uma bela música que fala sobre a natureza - está tudo devidamente registrado em vídeo) e perceber seus olhinhos brilhando ao terem o primeiro contato pessoal com um escritor (este ser que antes lhes parecia tão longe de sua realidade). As esperanças sempre se renovam, assim como as energias para continuar produzindo para tão agradáveis criaturinhas.

Que venham as novas histórias e as novas participações em eventos como este.

Abraço mais que cordial, da terra do frevo e do maracatu,

Com todo carinho, Tonton.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Casa "Diamante"




Por Tonton

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Cama da amante...




Enquanto jantavam no restaurante mais caro da cidade, ela pensou com seus botões:

- Cafajeste, quase não vinha e ainda quer dormir de conchinha...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Antologia de Poetas Lusófonos



Queridos amigos,

Que satisfação receber os exemplares da III Antologia de Poetas Lusófonos, editada em Leiria, Portugal, pela Folheto Edições e Design. Ficou simplesmente impecável!Que linda capa, que cuidado nos mínimos detalhes! Dá gosto de participar de um projeto assim. Somos, ao todo, 98 poetas de onze países, dos cinco continentes.

O proêmio (ou proémio, em bom português de Portugal) coube a Arménio Vasconcelos, Presidente da Academia de letras e Artes Lusófonas, que celebrou o congraçamento dos distintos cânticos em nossa língua-mãe, o que nos torna todos irmãos, posto que, por esta razão, inteligíveis a cada um de nós onde quer que estejamos.

Participei com duas poesias escritas em tenra juventude, a saber: Premonição (de 1989) e Contemplação (de 1988). A primeira versa sobre a devastação do meio ambiente (em um tempo que mal se falava da questão). A segunda, por sua vez, trata da imensidão e da beleza do mar, que sempre me fascinou. Afinal, nasci e fui criado nas areias das belas praias de João Pessoa, Paraíba.

Ah, antes que me esqueça: o ISBN da publicação é 978-989-8158-84-0 e quem desejar conhecer um pouco mais da Folheto e de suas publicações, por gentileza, visite http://folhetoedicoesdesign.blogspot.com ou http://folheto.paravenda.com

Abraços a todos, da terra do frevo e do maracatu, Tonton

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Das matutun"



Ao estimado amigo Prof. Paulo Régis
Por Antonio Nunes Barbosa Filho



Pense num bicho destemido e determinado que só o caboclo, daqueles bem das brenhas, criado com mingau de farinha e leite de palma forrageira! Pensou? Duvido que encontre outro. E a história que vou contar-lhes a seguir dá bem ideia disso. Foi assim...

Lá para os lados de Depois do Além, naquelas terras que nem o diabo frequenta mais, pois se botar os pés no chão vai queimá-los, visto que antes de conseguir chegar por aqueles sítios, já terá perdido as botas há muitas e muitas léguas passadas, dia desses, nasceu um caboclinho, raquítico, baixinho, todo encolhido, parecendo castanha de caju torrada, coitado, que, como não tinha nada mais interessante pra fazer, já que nem carrinho de osso, daqueles de vértebras da cauda do boi ele tinha pra brincar, adorava olhar pro céu.

Aí, quando já contava com 8 ou 9 anos de idade, maravilhou-se com a chegada da luz elétrica – resultado desses projetos tão necessários, mas que são levados a cabo somente com fins eleitoreiros. A mãe, por sua vez, toda metida com a novidade, tratou logo de mandar o pai das crianças fazer um acordo com o chefe político da região, o coronel Theodomiro – isso mesmo, com TH e tudo mais – pro mode eles ganharem uma televisão em troca do voto garantido dos oito filhos – e mais o dela e o dele, os pais, é claro! – se o acordo fosse firmado e cumprido antecipadamente, pois caboclo pode ser bicho ingênuo, mas besta não é.

Só não votava o Tinoco, aquele quase nada ao qual me referi anteriormente e que, por um aborto da natureza – quer dizer, que por acaso a mãe e mais as cunhadas não conseguiram acertar a mão no chazinho pra fazer essa malvadeza – veio ao mundo quase dez anos mais tarde que o irmão mais próximo dele em idade.

Negócio acertado, televisão instalada na sala, não é que a mãe botou o menino pra ver o antigo Telecurso Segundo Grau logo de cara! E justamente naquele dia estava passando uma teleaula sobre o Sistema Solar. Para dar explicações apareceu o Ronaldo Mourão. Isso mesmo, aquele astrofísico com cabelo todo desgrenhado e que lembra o Einstein.

– Astrofísico! É isso que eu quero ser! – disse a si mesmo, com descomunal convicção o garoto. E mais que cabeça dura, os caboclos são extremamente resignados, não é verdade? E ai de quem duvidasse de que ele não conseguiria sê-lo. Cancão piava...

Como não poderia deixar de ser, alguns anos mais tarde, eis que o nosso menino aporta na Alemanha. Um pouco mais crescido, mas ainda muito mirrado em comparação àqueles homenzarrões germânicos.

Mesmo sem falar uma única gota da língua de Goethe, mas com muita matemática avançada na moleira, ele se dedicou à Física Teórica. Ele não sabia sequer pedir comida no refeitório universitário. Quando tinha fome, passava a mão em círculos sobre o abdômen, hoje menos proeminente do que nos tempos da infância – à custa de alguns anti-helmínticos que recebera de uma tia distante quando fora cursar o ginásio na cidade grande – e batia os braços imitando uma galinha, com direito a cacarejada e tudo mais.

– Afinal, em todos quatro cantos do mundo – que agora ela sabia não ter cantos, aliás, como toda a Via Láctea – tem penosas e se assadas dão um bom galeto! – dizia ele que abominava tudo o que fosse preparado com carne suína, que desde pequeno ele aprendera que era um animal pra lá de imundo.

Apesar dos pesares, o tempo passara e ele, como era de se esperar, alcançara o intento de concluir – com louvor, diga-se de passagem – o doutorado em astrofísica. Mas, para a felicidade dele ser completa, ainda restava-lhe um desejo a ser satisfeito antes do seu regresso ao Brasil, onde universidades públicas e privadas cobiçavam o seu passe, tal qual jogador de futebol famoso: dirigir uma Mercedes-Benz conversível, dessas que aparecem em filmes de James Bond e de outros aventureiros do gênero, numa dessas rodovizinhas de lá. Nessas tais de “Autoban”.

Foi à concessionária, apresentou o passaporte e um bom maço de euros, a duras penas economizado nos últimos ano, e saiu guiando, em test-drive, a toda poderosa, desejada e tão maravilhosa máquina.

Acelerou... pisou fundo, pisou tudo, queria saber até onde poderia chegar aquela obra-prima da construção humana: 120, 160, 180, 22, 260, 280 km/hora... O vento batia no seu rosto, uma incrível sensação de superação e de liberdade tomou conta de si. O mundo era todinho dele.

Foi então que, de repente, sem avisar, uma curva majestosa se aproximou no horizonte. Não deu tempo de mais nada e o que se ouviu foi:

– Aêêêêê... aêêêêê... aêêêêê...

Foi difícil que só achar ele naquele despenhadeiro... Só Deus sabe como!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ah, moleque...



Por Antonio Nunes (Tonton)
Ilustração Braga Câmara


Onde eu nasci, desde muito pequeno, a gente tinha que ficar esperto. Pra correr atrás de bola, pra correr por entre as vielas para escapar do fogo cruzado e, por muitas vezes, pra correr do chinelo certeiro arremessado por sobre nossas cabeças, quando fazíamos algumas travessuras. E olha que não foram poucas. Uma bola suja acertando a roupa limpinha pendurada no varal, por exemplo. Vez por outra, estávamos a ouvir: - Ah, moleque, se eu te pego... O pior é que, vez por outra,sempre alguém era pego. Aí já viu, né... O couro esquentava e as lágrimas desciam.
Fui crescendo e aprendendo a correr mais e mais. Até que fui descoberto por um desses caça-talentos. Destacava-me de todos os garotos de minha idade. Com o treinamento adequado, fui evoluindo gradativamente aquela habilidade a duras penas desenvolvida: a velocidade na corrida. Em pouco tempo comecei a participar de competições e a conquistar as primeiras vitórias.
O meu treinador diz que estarei tinindo para as próximas olimpíadas, aqui mesmo no Brasil. Mas, o que eu queria mesmo era correr como um raio com a bola nos pés. Infelizmente, não tenho esta capacidade. Vou ter que me contentar com o vento batendo em meu rosto, com os aplausos e o sentimento de missão cumprida em poucos segundos, ao desacelerar.
Pra falar a verdade, eu gostaria mesmo era de pular e dar um soco no ar como o Pelé, pois aquilo sim é que era comemoração. Que vibração! Quanta emoção! Ah, moleque...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Prazeres efêmeros...



Quem diria, quem diria... que do alto de seus mais de oitenta anos, ares de bom vovô de filme da Disney, boina azul, óculos ovalados, de padrão de pele de crocodilo, cobrindo quase a metade do rosto, calças coronhas deixando à mostra as meias também azuis, sapatos tipo mocassim, marrons, combinando com o suspensório e com a capanga presa à mão, pela alça firmemente empunhada, seu Astor seria recolhido à delegacia do bairro, por pretensamente infringir aos bons costumes.
Segundo o próprio comissário que fora atender a ocorrência, era simplesmente inacreditável que pairasse sobre ele aquela acusação. Afinal, nas redondezas a fama que corria dele era que se tratava de cidadão dos mais dignos, profundo respeitador dos valores da família, da moral, da tradição e de elevado amor à pátria, que trazia estampado em broche da bandeira nacional fixado à lapela de suas camisas de linho impecavelmente engomadas.
Interrogado a respeito do ocorrido, verificou-se que, em razão de sua avançada idade e da natureza do pretenso ilícito, pouco se poderia exigir de reparação à sociedade ou à vítima, Maria Aparecida, balzaqueana reboculosa, outrora porta-bandeira e passista-primeira da escola de samba das redondezas, que devia estar beirando os quarenta e poucos anos, em quase impecável forma. Após ouvir o palavrório do delegado, fazendo cara de não tô nem aí, seu Astor foi liberado, posto em liberdade para continuar com sua sina.
Tonhão, mecânico da oficina da esquina, em cujo primeiro andar residia o nosso querido personagem e que, por isso, o conhecia como ninguém mais, perguntou-lhe:
- Ô vovô, com tanta experiência, como foi dar uma bobeira dessas? Perdeu a prática?
- Que nada, rapaz! – respondeu ele, ao que continuou:
- Prazeres efêmeros, prazeres efêmeros...
Como não entendeu nadica de nada daquela metáfora, Tonhão sentenciou:
- Explica aí, que nessa eu viajei na maionese...
E participou silenciosamente daquele diálogo...
- Vê só, tudo ia bem, passava a mão na bunda das incautas, fazia cara de velhinho desconsolado e, calmamente, tirava o celular do bolso traseiro das calças delas... Elas adoravam aquela sensação... Pense numa cara de felicidade de algumas delas...

- Metia o aparelho na capanga e descia de fininho na próxima parada de ônibus... Limpeza geral, mais discreto impossível...

- Só que dessa vez não deu tempo, tive que botar o celular no bolso da frente de minhas calças...

- A cabocla apalpou e sacou tudo, tudinho...

- Quase vou em cana...

- Só porque dei uma esfregadinha a mais nela, por um mísero prazer efêmero...

- É, você tem razão, estou perdendo a prática...

- Ou eu devolvia o celular, ou completava o serviço... me chantageou a cachorra!

- Como ela percebeu que não ia ser atendida em seus desejos, armou o maior escândalo...

- Filha da mãe vingativa...

Foi tanta a raiva que jogou a boina ao chão e pisoteou-a vigorosamente. Logo em seguida, como se nada daquilo tivesse acontecido, a apanhou, sacudiu a poeira e a colocou na cabeça outra vez, para sair, fagueiramente, em direção à estação do metrô mais próxima...

sábado, 14 de agosto de 2010

Fórum íntimo



Por Antonio Nunes Barbosa Filho
Sem maiores pretensões...


Zenilda Gratuliano, criminalista das antigas, daquelas que faziam questão de sair de braços dados com o cliente da sala de julgamentos quando alcançava a sua absolvição, estava nervosa como nunca. Coisa rara, por sinal. Provocada, soube-se mais tarde, por essas modernidades da internet.

E a situação só fazia piorar, condenação após condenação, causa após causa, perdidas uma a uma sempre para o mesmo Promotor de Justiça, por sinal, muito mais jovem do que ela. Com sua até então indiscutível reputação de nobre causídica mais que abalada, quero dizer, completamente estraçalhada, decidiu fechar o escritório que já não conseguia captar novos clientes e estava à míngua, bem como sobre constante ameaça de tantos familiares e enviados de clientes agora completamente insatisfeitos.

Por generosidade de uma ex-colega de turma dos tempos da faculdade de direito estava contando com a indicação para contratação temporária como assistente da Defensoria Pública em uma longínqua e quase abandonada Vara Cível de uma pequena comarca da Região Metropolitana da Capital, como a última chance de tentar reequilibrar as finanças cujas dívidas já consumiam os míseros cobres restantes em suas parcas economias. Era de não se acreditar no que se via ou na descrição que ela fazia da relação de contas a pagar com vencimento a se aproximar, em relação à exuberância e esbanjamento de outrora.

Quando ela chega para a entrevista com o titular daquele mister, passo final e decisivo para a sua contratação, eis que ela encontra lá o mesmo e resignado Promotor visitando aquele distinto, tão útil e prestativo órgão do Poder Executivo.

– Maldição! Perseguidor f.d.p!! – bradou ela em voz baixa, trincando os dentes.

Nem se dirigiu à sala da Chefia. Deu meia volta e desistiu do cargo ali mesmo. Afinal, quem confiaria em alguém com a alcunha de “Nildinha 0800”, que promovia festinhas de arromba – com comidinhas e bebidas sem limites, dentre outras ofertas inteiramente gratuitas – para muitos convidados, todos do sexo masculino?

Quando questionada pela amiga porque recusara a função pública, apesar de tanta necessidade, ela foi enfática e respondeu-lhe:

– Por questão de “fórum íntimo”, querida! Bem íntima!

Foi sincera como nunca. Havia anos que era incomensuravelmente generosa com vigilantes, porteiros, guardadores de carros, funcionários dos cartórios, das secretarias e, dizem, até mesmo com alguns promotores e juízes de Varas Criminais. Ah, e também com todos os seus clientes, sem exceção, inclusive os já detentos, além de carcereiros e chaveiros em delegacias superlotadas por aí afora.

Era extremamente feliz e bem sucedida, até o dia em que um adolescente de 14 anos, daqueles que passam o dia todo defronte a um monitor, explorando a internet, hackeou um certo computador e apresentou aquelas cenas inenarráveis ao seu irmão mais velho... que nunca mais perdeu causa alguma para aquela senhora sexagenária.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A lenda do Colibri



Por Antonio Nunes (Tonton)
Em lembrança de antepassados indígen
as


Contava o meu avô, de ancestrais Tabajaras, do tronco linguístico do Tupi, que habitaram estas terras do litoral nordestino, havia, em longínquos tempos passados, um ancião de coração transbordante de bondade e que vivera por quase mil anos em uma aldeia feliz, cuja felicidade parecia não ter mais fim.

Em tudo o que era possível ajudar os outros, lá estava ele sempre a postos. Foi então que Tupã, vendo tamanha generosidade, concedeu-lhe a graça de ter o sopro divino. Assim, dali em diante, bastava pegar um punhado de areia, colocá-la na palma da mão e com um suave sopro fazê-lo dispersar-se na atmosfera e se transformar em um campo de milho, que alimentaria a tribo e lhes saciaria a fome, ou em um campo florido que encheria de brilho os olhos daqueles que nele repousassem a vista...

A notícia da existência de um santo homem, milagroso, ganhou o mundo. Ou melhor, o dito novo mundo...

Todos os indígenas daquela aldeia viviam em paz e fartura até o dia em que aportaram por estas terras os ditos conquistadores, colonizadores. Ficaram surpresos, maravilhados com tal e inigualável capacidade de dar vida a coisas tão belas. Trancafiaram-lhe e exigiram dele que lhes ensinasse como realizar tal magia. Ele sorriu e disse que simplesmente não podia, pois não era dele aquele dom. Seus algozes, então, não acreditando em suas palavras, com os corações cheios de ganância e de cobiça, acharam que se tratava de um amuleto ou de algo parecido que ele possuía e que, portanto, deveria lhes ser repassado, entregue, para que alcançassem riquezas, ouro, diamantes, dentre outras pedras e preciosos metais. Ele, mais uma vez, sorriu e disse-lhes que não podia dar-lhes o que queriam, pois, definitivamente, não era algo de existência material.

Irritados, aqueles que invadiram as suas terras, terminaram por golpeá-lo até quase a morte. Ele pegou um punhado da areia ao chão, bendisse a terra onde nasceu, fechou a mão e em seu último respiro, sôfrego e ínfimo que foi, soprou por entre os dedos e deu vida ao colibri, pequeno que só e ágil, com destreza para voar em todas as direções e, dessa forma, com a habilidade de se desviar daqueles que tentam capturá-lo. Pode acreditar, foi desse jeitinho que os colibris surgiram.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Fé decorativa




Por Antonio Nunes Barbosa Filho
Para um amigo pároco que preza por suas homilias



Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. E nos meus quase 30 anos de sacerdócio, recheado com muitas orações e reflexões, posso afirmar que é nos pequenos gestos que descortinamos a essência de cada ser. Quando menos se espera, de modo sutil, os indivíduos se revelam, ainda que, para tanto, seja necessário interpretar os episódios de uma vida.

Na paróquia em que exerço minhas funções sacerdotais há quase duas décadas, sempre prezei pelo trabalho voluntário e pela ação solidária. Todas as homilias que professo são dedicadas aos distintos aspectos da fraternidade – ensinamento maior do Criador – e ao compartilhar frente ao possuir. Tudo aparentemente ia bem até o dia em que fui convidado a visitar e a proferir uma benção ao lar de dois dos meus mais queridos paroquianos.

O primeiro deles era um profissional bem sucedido, que fazia, regularmente e contra recibos para o imposto de renda, polpudas doações para as entidades assistenciais mantidas pela Igreja. E como gostava de ser festejado como benfeitor... O outro era um simples pedreiro, que fazia questão de participar de mutirões, oferecendo aquilo que tinha de mais precioso, a sua força de trabalho, o seu ofício. Afinal, era tudo o que poderia doar sem comprometer o apertado orçamento doméstico.

Por três vezes tive que adiar a visita ao lar do primeiro, pois o apartamento dele ainda não havia sido entregue pelo arquiteto e ele não se sentiria nem um pouco à vontade de abrir a sua casa para mim daquele jeito, com tantos detalhes por concluir. Parece que sempre havia algo a fazer, a adquirir ou a acertar: um abajur aqui, um quadro acolá, um tapete ali, um retoque na pintura mais adiante etc. Por fim, aparentemente tudo pronto, chegou o grande dia! O edifício era um colosso, de arquitetura magistral, a moradia suntuosa, decoração impecável, vigiada por câmeras on-line, vigias armados, cercas altas e eletrificadas, bem como todos os demais mais modernos aparatos que pretensamente poderiam conferir-lhe alguma segurança, assim como à sua esposa e seu único filho, naquele imenso triplex de mais de 500 m2, tão espaçoso, tão estupefaciente, tão frio... Tudo parecia trancafiado, escondido, resguardado para uso exclusivo. Isto é, se estivesse devidamente segurado... Do contrário, nem pensar ir à rua... Entre queixas e lamúrias de todas as ordens, mal ouviram o que eu tinha a dizer. Que Deus misericordioso tenha compaixão daquela família...

Já para o outro, a geladeira e o televisor novos, comprados a prazo, daqueles de perder de vista, estavam lá, bem à vista. Sem trocadilhos! O primeiro destes eletrodomésticos junto à janela da cozinha, que dava para a rua lateral da casa. E o segundo, por sua vez, bem defronte à porta principal da casa, bem de frente para quem adentrasse aquele lar. A geladeira estava cheia. Em minha inocente boa vontade, abençoei e dei graças àquela fartura. Ele sorriu e me confessou que tudo aquilo não pertencia somente a sua família, mas era de toda a vizinhança. Principalmente daqueles que não tinham como conservar os alimentos refrigerados em sua residência. E quando nos preparávamos para assistir a final do campeonato estadual de futebol em sua televisão novinha, perguntei-lhe se a imagem não ficaria melhor sem os reflexos dos raios do sol daquele quase fim de tarde incidindo diretamente sobre o monitor. Quanta ingenuidade! Mais uma vez ele me sorriu e disse que preferia daquele jeito, pois assim, mesmo os vizinhos que não tivessem disposição para pedir-lhe assento em sua sala, por falta de coragem, por vergonha, por uma vaidade irracional ou por excesso de pudor, poderiam assistir ao jogo sem sentirem-se incomodados. Vejam só, para não se sentirem incomodados. Os outros, e não eles! Imaginem... Quando comecei a proferir algumas palavras, colocaram a televisão no modo silencioso, se aproximaram de mim e respeitosamente invocaram graças por todos daquela comunidade. Oramos juntos e, do fundo de meu coração, pedi a Deus que, em sua infinita bondade, os abençoasse... a todos, sem exceção.

Pois é, caro amigo, você há de concordar, da análise destes casos defini precisamente o que vem ser fé decorativa.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Tonton associa-se à AEILIJ




A partir deste mês de julho de 2010, com muito orgulho, Tonton faz parte da Associação de Escritores e Ilustradores de Livros Infanto Juvenis (AEILIJ).

Com sede nacional no Rio de Janeiro e contando com representações em diversas regiões do país, a associação congrega em uma única entidade escritores e ilustradores que se dedicam à literatura voltada ao público infanto-juvenil.

Veja mais em: www.aeilij.org.br

Visita a página de Tonton no site da AEILIJ: http://www.aeilij.org.br/detalhes_associado.asp?id=727

Abraço a todos, da terra do frevo e do maracatu.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O baile perfumado





Sexta-feira, oito da noite, o táxi parado a esperava para levá-la à escola de dança onde haveria um baile-demonstração. Seria uma oportunidade para conhecer alguém interessante, fazer novas amizades e, quem sabe, até mesmo conseguir descolar um bom parceiro para o bailado.
Foi Amanda, sua colega de sessões de Pilates e de hidroginástica, quem lhe falou daquele baile tão especial na primeira sexta-feira de cada mês. Banho cuidadosamente tomado, perfume delicadamente borrifado ou, como dizem os especialistas, atomizado por sobre as articulações do corpo e no pulso – pontos de calor, logo, de suave aquecimento e de exalação do sedutor aroma –, e o vestido certo, devidamente ajustado ao corpo. E o que seria o vestido certo para a ocasião?!? Ah, se você é mulher e não sabe, precisa rever urgentemente o seu guarda-roupa. Se você é homem e também não sabe, precisa urgentemente prestar mais atenção nas belas, livres e sedutoras balzaquianas. Ah, e a aprender a apreciá-las, em amplo e irrestrito sentido.
Festa compartilhada, homens trazem as bebidas, as mulheres alguns petiscos... e está feita a festa. Aliás, o baile. No início, tímida, desenturmada, ela resolve tomar uns drinques para deixar a inibição de lado. Depois de duas voltas no salão, ela estava de braços com o mais desejado partido, que flutuava sob seus encantos. E ele insistia em ir além, em conseguir um beijo ao fim da noite ou algo mais, talvez ainda naquela madrugada ou no final de semana seguinte. Ela fazia jogo duro. Ele deixou o seu cartão de visitas discretamente sobre a mesa e passou-lhe às mãos, apertando-as contra as dele, enquanto a fitava decidida e cobiçosamente. Ela esboçou um sorriso, agradeceu e, de imediato, o guardou em sua minúscula bolsa.
Quinze dias depois ela estava de volta de uma semana em Paris, com muitos perfumes na bagagem, sem dúvida alguma. Questionada sobre como conseguira o dinheiro para aquela regalia, ela que sempre reclamava da magra aposentadoria de funcionária pública, confessou:
– Sabe aquele cartão com o telefone daquele coroa bonitão que conheci naquele baile ao início do mês? – fez ares de confessionário para a amiga que lhe falara do baile.
– Não acredito que você aceitou a corte daquele canalha do Magnovaldo? – retrucou a outra.
– Que nada, menina! Claro que não, imagine... simplesmente rifei-o... – e deixou atônita,sem acreditar no que ouvia, a sua confidente.
Afinal, dizem que quanto mais canalha, mais valorizado o passe... Sei não, mas as mulheres...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Literatura Infantil premiada





Prezados amigos,

Muito em breve, estarão disponíveis os meus livros "O aprendiz de Don Juan" e "A visão do mundo de um cãozinho de estimação", premiados pela Academia Pernambucana de Letras (Prêmio Elita Ferreira de Literatura Infantil), de 2008 e 2009, respectivamente. As ilustrações, como sempre, são de meu parceiro e amigo Braga Câmara.

Aguardem. Abraços a todos,

Tonton

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Escândalo!

Sem ter vagas na escola, onde em anos anteriores ela costumava merendar - e já nem havia porque, pois lá não havia professores por causa dos baixos salários e tampouco merenda em razão do desvio de verbas -, enquanto ela tentava recuperar as forças, depois de ser atacada violentamente pelo velho engravatado que ofereceu-lhe algum dinheiro em troca de favores que não convém confessar - e nem podia, já que por aquelas horas a porta da igreja estava fechada -, ela ajoelhou-se, enxugou as lágrimas que insistiam em rolar e apanhou a flor que nem cheiro tinha. Foi um escândalo! E, de imediato, a polícia apareceu por lá...

Dizem que ela arrancou-a com a próprias mãos.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Sobre meu pai.



A gente cresce sem ter a noção real de quem são os nossos pais. Com as mães a coisa aparenta ser mais simples, porque elas parecem estar sempre lá, mesmo que por algumas vezes a gente quisesse ficar sozinho, trancados no quarto ruminando as ideias. Mas, pelo que aprendi ao longo da vida, creio que todas as mães guardam semelhanças entre si, onde quer que se encontrem independentemente da cultura, da língua ou de sua religião. Acreditam que podem invadir um pouco as nossas vidas, talvez porque primeiro nós as invadimos e, sem pedir licença, vamos tomando conta da vida e do corpo delas por um bom tempo.
Já com o pai é diferente. Dia desses até vi numa reportagem na tevê que com os exames de DNA os casos de paternidade desconhecida – aqueles em que a certidão de nascimento só vem com o nome das mães e dos avôs paternos (quando não apenas com o da avó) – estão cada vez mais raros. Que bom, não é mesmo? Deve ser uma barra carregar esta dúvida e, talvez, este estigma por toda a vida. Nem consigo imaginar como seria a minha vida sem o meu pai.
Mas o mais engraçado na vida é que a gente só começa a ter a verdadeira noção de quem ele é quando a nossa vida já está tão repleta de tantas outras coisas que parece nem mais haver tempo – ou espaço – para ele. Pode ser o início do reconhecimento da falta que ele faz. É isso! Aí, tentamos colocar as coisas em ordem e a tentar arranjar tempo para as pessoas, porque são elas o que realmente importa em nossas vidas.
Bem, eu era a menininha do papai. Como dizem, há uma magia extra entre pai e filha. Que existe, existe e não dá para explicar. Quase todas as noites ele ia me colocar para dormir. Sentava-se ao lado de minha cama e ficava conversando comigo, quando não inventando histórias, lendo livros – e eu nem tinha ideia de onde provinha tudo aquilo que me enchia de encantamento.
Foi lá pelos 8 ou 9 anos que descobri que ao sair do meu quarto, ele ia para um canto reservado da casa e registrava cada uma das narrativas, seus personagens, cenários e lapidava-as preenchendo de detalhes cada uma daquelas histórias que surgiram minutos atrás.
Só pelos 12 ou 13 anos foi que tomei ciência de que meu pai era o autor daqueles livros. Certa vez, ele foi me buscar no colégio – fazia questão de participar ativamente de minha educação – e recebeu um convite para falar de suas obras e de seu processo criativo para o alunado. Apesar de toda a timidez, como toda a boa vontade bem típica dele, aceitou o convite e proferiu a palestra – o bate-papo, como ele preferia dizer. Acredito que foi a primeira vez que expressei abertamente orgulho de ser sua filha. Com um brilho bem próprio nos olhos, dizia a todos que me perguntavam:
– Sim, é o meu pai!
Decidi, em curiosidade bem comum da adolescência, conhecer este outro lado de sua vida, tão importante para ele. Fiquei encucada: uma dúvida abateu-se sobre mim! Quem era realmente aquele ser que eu chamava tão carinhosamente de pai, de papai? Aquele com quem convivi em seu anonimato ou aquele que se expressava de tantas e diferentes formas, como se fosse muitos, sendo apenas um?
Somente aos 16 anos consegui entender que todos eles eram um só. Consegui, finalmente, perceber em quase toda a extensão e complexidade o que significava ser um escritor. E mais, ser filha de um escritor. Sê-lo tem uma indiscutível sensação, que eu tentaria traduzir assim: hoje, ao lê-lo, seja em que estilo for, prosa ou poesia, sinto-me envolvida e abraçada por suas palavras, pois reconheço que foram colocadas bem ali, justamente para mim. E para toda a eternidade!

Desconhecido íntimo.



Eu sempre fui um cara discreto. Pelo menos tenho tentado, por toda a minha vida. Creio que a minha timidez me força a sê-lo. Se eu passasse pela vida e não deixasse rastro, estaria mais que satisfeito. Meus hábitos são modestos, não uso roupas extravagantes: jeans básico, camisa de algodão e mangas curtas, quase nunca tiro o chapéu panamá da cabeça – para proteger a cabeça, por causa da calvície, neste sol escaldante de onde vivemos – e só o faço porque foi presente da esposa. Desses escolhidos a dedo. Ou melhor, pelo braço. Ela me levou à loja para escolhê-lo consigo. Para não correr o risco de ela comprar, eu não gostar e ela ter um trabalhão danado para trocá-lo por outro que me parecesse mais ao meu estilo. Não teve jeito e lá fui eu com ela. Como ela diz: para o meu próprio bem, pois o danado do chapéu protege mesmo. E, então, ao lado dos meus eternos companheiros – os óculos – compõe a minha imagem à primeira vista e por detrás dos quais tento me esconder quando estou no transporte público.
Você deve estar curioso em saber como alguém como eu conseguiu casar, não é mesmo? Isso não é tão difícil de explicar, companheiro. A questão é que as mulheres sempre escolhem! Ponha-se a pensar se não é verdade. Eu só tive a sorte de ser escolhido por uma boa mulher. E isso é tudo o que tenho a dizer a respeito.
Estranho mesmo foi quando, dia desses, eu vinha para a casa, bem na hora do rush, ônibus completamente lotado. E eu tentando guardar ainda mais o anonimato, como fazia regularmente, lendo alguma coisa durante o trajeto. Foi quando um rapazote, lá pelos seus 18 ou 19 anos, começou a me fitar insistentemente. Suei frio! Pensei que ia ser assaltado! Afinal, é só disso que a gente ouve falar ultimamente. De crimes que acontecem sem razão de ser, com pessoas que têm as vidas mais banais do mundo e que, de repente, ganham uma mísera narrativa no telejornal, quando, no máximo, te mostram estendido em um flash sensacionalista. E eu me incluiria entre eles, tinha certeza até então.
Como ele não tirava os olhos de mim, decidi me precaver e puxei a campainha do ônibus. Se descesse, talvez ele escolhesse uma outra vítima naquela lotação.
Foi quando, pondo um dedo em riste, como se me apontasse um revólver e um outro em gatilho, fez menção de atirar e disparou:
– Bingo! Você é o auotr daquele livro. Maneiro cara! Gostei do estilo como você escreve...
Antes que ele tivesse tempo para algum outro comentário, disse-lhe um obrigado quase - mudo e acenei-lhe brevemente com mão esquerda, enquanto com a direita tentava me desvencilhar de quem estava à minha frente e que atrapalhava a minha saída. Enfim consegui saltar para fora, pé ante pé, nos ínfimos espaços que sobravam para tanto.
E enquanto esperava a próxima condução, que por àquelas horas tardaria, no mínimo, cerca de meia hora, tive bastante tempo para rever os meus conceitos sobre mim mesmo. Tudo veio abaixo, porque concluí que como escritores, somos ilustres desconhecidos íntimos de todos nossos leitores! E o que lhes damos, essa é a verdade, os faz se aproximar cada vez mais de nós, porque nós os invadimos primeiro e, por vezes, mudamos, mesmo sem querer, sem intenções ou pretensões – muito menos autorizações –, o seu jeito de ser.

História de duas vidas.






quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Strike, Nina!



Fim de ano! As promessas de deixar para trás as mágoas, as invejas, os desentendimentos e todos os outros sentimentos não tão nobres são sempre renovadas, não é verdade?
E naquela firma tinha tudo para dar certo. Chefe novo, embora não tão novo, quero dizer, já bastante experiente, cheio de boas intenções e de ideias na cabeça. E, pelo que tudo indicava e fazia crer, era extremamente humano. Tal perfil era de crucial importância para aquele tipo de organização: uma empresa de telemarketing, com milhares de trabalhadores – e que, certamente, era a maior empresa do ramo em toda a América Latina.
Como queria entrosar-se rapidamente com todos os supervisores, uns 20 ou 30 ao todo, convidou-os a participar de uma confraternização em um boliche num shopping center local. Ele mesmo se encarregaria de explicar as regras e dar algumas dicas aos não-iniciados ou neófitos naquele esporte que praticava desde o tempo em que estivera nos Estados Unidos para a sua primeira temporada naquele país, ainda quando estudante do ensino médio. Àquele intercâmbio seguiram-se estadias para um MBA, para um mestrado e também para várias férias em Orlando, Nova Iorque, Miami e até para uma conexão numa ida rápida a Cancun que, aliás, ele detestou. Para ele, o “american way of life” era simplesmente o máximo!
Todos presentes, formaram-se as equipes. Até mesmo aqueles que nunca haviam pisado naquele tipo de tablado se envolveram na brincadeira. E ele tinha um motivo especial para ser solícito e atencioso. A bela e charmosa Nina – a quem já observava com olhos de lobo mau, havia dias – estava ali, bem ao alcance de suas mãos, literalmente. Formas generosas, sorriso largo, dentes perfeitos, batom e perfume sempre a postos. O conjunto da obra era uma máquina perfeita de sedução. Com ares de despretensiosa modéstia, ele ajudava-a a escolher as bolas, ensinava-a a postura correta a adotar a cada lance e por aí vai. Chegou mesmo a ganhar alguns sorrisos e olhares de soslaio em retribuição.
Foi então que a sorte de principiante do Severino começou a chamar a atenção. Strike! Strike! Strike! Em poucos minutos a coisa toda já havia mudado, sabe-se lá de onde surgira a ideia, mas estava em curso uma disputa homem a homem. O chefe e o Severino, apenas os dois, para o deleite dos curiosos que começavam a se aglomerar para observar o entrevero “bolichístico”.
Strike! Strike! Strike! A platéia aplaudia efusivamente os competidores a cada bola arremessada. E Nina já dividia a sua admiração. O embate se tornava cada vez mais duro...
Foram incríveis 32 strikes seguidos. Páreo duríssimo. Coisa de cinema. Era mesmo de se filmar tudinho e mostrar em detalhes, em câmera lenta, no programa televisivo dominical, naqueles em horário nobre. Foi então que serviram ao Severino um caldinho. Era o último arremesso do chefe. Ou arrancava o empate ou perdia o certame. O que jamais acontecera antes! O Severino caiu de lado, antes do tempo previsto. A bola partiu, meio sem prumo e, lá no fim, bem próximo aos pinos, foi ganhar a canaleta.
Os legistas encontraram no corpo da vítima uma generosa porção de um poderoso veneno: estriquinina!
É da natureza humana. Dizem que ele, hoje fugitivo, já foi visto pelo interior do Texas, Dakota e Wyoming... Em lugares menos competitivos, ora essa!