sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Bobinho...


Dizem que as coisas acontecem porque tinham que acontecer, porque estava escrito nas estrelas ou coisa do gênero. Podem acreditar! Não existe verdade maior em toda a face da Terra, nem em todas as galáxias. Quando as coisas, ou melhor, os astros conspiram, nada pode, mas nada mesmo, força nenhuma pode antagonizar em intensidade, impedir... Como dizia minha santa avozinha: – É o destino, é o destino...
E foi assim que tudo aconteceu...
Eu era amigo de carne e unha, se bem que mais de unha que de carne, de Lili, a mais fogosa dançarina do “La Touche”, a melhor e mais bem frequentada casa de shows de toda a região. Alta, loura – oxigenada, como as demais, é claro! –, pernas torneadas, emolduradas por finíssimas meias 7/8, seios semi-rígidos, vigorosamente suportados por espartilho, de couro preto, brilhante, como se acabasse de ser lubrificado. Errr..., quero dizer, lustradíssimo! Coisa de profissa.
Ela era pura sedução! Que homem não gostaria de por as mãos naquele corpão?!? E eu tinha a felicidade de dormir com ela quase todos os dias. Eu disse: quase!
Dividíamos a kitinete que o senador mantinha pra ela bem no centro da cidade, distante de todos os olhares curiosos. Éramos inseparáveis. Quase! Com exceção àqueles dias em que o guarda costas do todo-poderoso senhor da Lili, um brutamontes, me expulsava dali, para que partilhassem de alguns momentos de privacidade.
Ao final de tudo, coitada, ela ficava ali, jogada, consumida. Ele nos deixava algum dinheiro na mesinha de cabeceira e ia embora com ares de animal saciado. E ela, infeliz, sentia-se a última das mulheres, a pior delas. Afinal, tudo o que ela mais queira era sair dali, talvez para o apartamento dele, à beira-mar. Então, como seu fiel amigo e conselheiro, eu tentava trazê-la de volta à realidade. Melhor aquilo que pastorear cabras esqueléticas pelos tórridos sertões de onde viera.
Ela se recolhia, chorava, borrava a maquiagem, que por vezes espalhava com furor pelo rosto, até encontrar repouso, outra vez, em meus braços, que estavam sempre ali: reconfortantes e acolhedores, como ela mesma dizia. Eu a levava para o banho, fazia uma comidinha esperta e, por vezes, devolvia-lhe o sorriso e algum ânimo para viver. Desta feita, refeita, à custa de meu muito “blá-blá-blá”, ela voltava a ser o passarinho gorjeante dantes.
Ao final da noite, começava a cachear os cabelos, primeiro à quente, com uma baby-bliss – ah, esqueci que nem todo mundo sabe do que se trata! Calma, explico: é uma espécie de canetinha aquecida, na qual a gente enrola o cabelinho e... voilá! – e concluía a tarefa depois com uns bobinhos, pequenininhos, que ao cumprirem a missão – diga-se de passagem, quase impossível – a deixavam com feições de ternurinha. Acho mesmo que aquele era o maior encanto dela, não só para o senador, mas para todos os homens que a cortejavam. E íamos dormir, juntinhos, bem aconchegadinhos, de conchinha!
Foi então que, naquela noite, não sei por que, de brincadeirinha, pedi para ela também cachear os meus. Era verão, calor de 35º C. E olha que já era quase meia-noite. Como estava de moda naqueles dias, ela foi passear no calçadão da praia. Pôs maiô e disse que estava batendo vontade de pular umas ondinhas para agradecer à Iemanjá. Eu, feito pó, preferi ficar entregue, coberto dos pés à cabeça, curtindo o meu ventiladorzinho.
Ela, vejam só, pasmem: nesse dia, encontrou um alguém maravilhoso! E ainda dizem que não existe amor à primeira vista, ao primeiro encontro, química de peles... Que a amou e a ama incondicionalmente. Virou madame. Frequenta os melhores shopping centers do país. É mãe de família, dedicadíssima. Frequenta o high-society e as festas do grand monde. Usa jóias verdadeiras, bolsas e sapatos de grife. Tudo caro pra chuchu. Só não usa peles de animais por que a minha amiga sempre foi ecologista. Mas com ela, não tem tempo ruim nem orçamento curto. Casou com um empreiteiro, muito bem relacionado e com trânsito livre em todos os poderes, em todos os palácios, inclusive na Capital Federal, sem restrições...
Ah, você está curioso quanto à mim? Quanta gentileza... Tá, eu conto, mas seja discreto, por favor. Uso relógio importado, legítimo – nada de genérico comigo –, ando de carro conversível importado e moro numa cobertura à beira-mar. Onde? Na Avenida Atlântica, oras. Onde mais? Tudo porque o senador voltou para fazer as pazes com ela e foi logo encaixando com quem estava de cabelos cacheados sob os lençóis...
Ah, gente, quem não tem um bobinho como o meu não se estabelece!

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