sábado, 12 de setembro de 2009

O viuvário

Clodoaldo era só sorrisos. Aquela vaga informação se confirmara. O paraíso terreno realmente existia e ele havia chegado lá. E melhor, bem melhor, vivo! Vivinho da silva e cheio de energia para gastar. Afinal, para que serviriam anos de alimentação balanceada, alguns quilômetros de caminhada diária – fizesse chuva ou sol –, tubos e mais tubos de protetor solar se depois de tudo isso ele não pudesse desfrutar de tudo isso? A sua hora finalmente havia chegado.
Recebido entre olhares curiosos, sorrisos de alegria e palavras de boas vindas por todas as presentes, ele teve a certeza de que aquele era verdadeiramente um lugar abençoado por Deus, fosse lá qual fosse o deus que quisesse acreditar naquele momento. Estava ali, bem aos olhos dele, era verdade os rumores que ele havia ouvido enquanto caminhava pelo parque central da cidade onde vivia.
Circulou por entre as mesas, recebeu outros olhares – agora bem menos comedidos, quero dizer nada comedidos – desejosos de sua presença. Sentiu-se cobiçado e, por uma fração de instante, quase um homem-objeto. Elevou-se-lhe ainda mais a auto-estima. Ele estufou o peito, passou a mão pelos cabelos já grisalhos e caminhou em direção ao balcão estrategicamente localizado ao fundo do bar, de onde passou a observar todo o movimento. Aliás, para onde se voltaram todos os olhares, pois ele era o centro das atenções e ele percebeu isso. Não se fez de rogado e dirigindo-se à garçonete pronta a atendê-lo – efetivamente a postos – e servir-lhe um cuba libre. De imediato, como cortesia, serviu-lhe, também, uma porção de amendoins e ovos de codorna, anunciando-lhe ser cortesia da casa. Impossível não notar-lhe o pensamento matreiro que lhe ocorrera. E apoiando o cotovelo na barra do balcão, foi trazendo os petiscos aos punhados à boca, enquanto observava o movimento.
Ele sentiu-se o rei da cocada preta, a última limonada do deserto e coisas do gênero. Estava completamente rodeado de mulheres, de todas as idades, de todos os biótipos e cores de cabelo – e com direito a igual intensidade de variações de penteados. Não havia outro homem ali, além dele. Feições de lobo mal se colocaram em seu rosto. Quem seria a chapeuzinho escolhida? As vovós ela já havia descartado na primeira passada de olhar...
Foi quando para fazer-se de rogado – estratégia de conquistador barato, você bem sabe –, voltou-se para a garçonete com cara de Lolita – que já fazia cachinhos nos cabelos com o dedo indicador e cara e bocas, etc. e tal – , e puxou conversa:
– Bem agitado este lugar, não?
– Hoje, sim! – respondeu ela.
– E por quê? – perguntou ele.
– Por sua presença! – respondeu ela.
Sentiu-se lisonjeado com o comentário, mas também um pouco incomodado. Aquilo nunca acontecera com ele em toda a vida.
– E por quê? – perguntou à interlocutora que, desdenhosamente, mascava chicletes.
– Por que estão imaginando quem será a escolhida! – sentenciou.
Ele estranhou ainda mais tamanha sinceridade. E levantando os ombros como se dissesse “E daí?”, completou:
– E o que tem demais nisso?
– Ah, moço, um homem que aqui entra nunca mais volta...
– E qual a razão disso acontecer, minha filha? – falou-lhe com ares agora preocupados.
– Por simples razão...
– Diga logo, minha filha, pelo amor de Deus!
– O senhor não viu a placa lá fora não?
– Que placa, criatura?
– Com o nome do estabelecimento!
– Não. E o que isso tem a ver com...
Mal ele completou a frase e ela tascou, como bala certeira ao coração do pretenso Don Juan:
– Aqui é o viuvário! – disse de sopetão, sem pestanejar e já foi apertando o alarme acionando imediatamente a ambulância, antecipando-se ao enfarte que estava por vir. Fazer o quê? Eu mesmo soube que existia, mas nunca fui lá...

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