domingo, 21 de fevereiro de 2010

Desconhecido íntimo.



Eu sempre fui um cara discreto. Pelo menos tenho tentado, por toda a minha vida. Creio que a minha timidez me força a sê-lo. Se eu passasse pela vida e não deixasse rastro, estaria mais que satisfeito. Meus hábitos são modestos, não uso roupas extravagantes: jeans básico, camisa de algodão e mangas curtas, quase nunca tiro o chapéu panamá da cabeça – para proteger a cabeça, por causa da calvície, neste sol escaldante de onde vivemos – e só o faço porque foi presente da esposa. Desses escolhidos a dedo. Ou melhor, pelo braço. Ela me levou à loja para escolhê-lo consigo. Para não correr o risco de ela comprar, eu não gostar e ela ter um trabalhão danado para trocá-lo por outro que me parecesse mais ao meu estilo. Não teve jeito e lá fui eu com ela. Como ela diz: para o meu próprio bem, pois o danado do chapéu protege mesmo. E, então, ao lado dos meus eternos companheiros – os óculos – compõe a minha imagem à primeira vista e por detrás dos quais tento me esconder quando estou no transporte público.
Você deve estar curioso em saber como alguém como eu conseguiu casar, não é mesmo? Isso não é tão difícil de explicar, companheiro. A questão é que as mulheres sempre escolhem! Ponha-se a pensar se não é verdade. Eu só tive a sorte de ser escolhido por uma boa mulher. E isso é tudo o que tenho a dizer a respeito.
Estranho mesmo foi quando, dia desses, eu vinha para a casa, bem na hora do rush, ônibus completamente lotado. E eu tentando guardar ainda mais o anonimato, como fazia regularmente, lendo alguma coisa durante o trajeto. Foi quando um rapazote, lá pelos seus 18 ou 19 anos, começou a me fitar insistentemente. Suei frio! Pensei que ia ser assaltado! Afinal, é só disso que a gente ouve falar ultimamente. De crimes que acontecem sem razão de ser, com pessoas que têm as vidas mais banais do mundo e que, de repente, ganham uma mísera narrativa no telejornal, quando, no máximo, te mostram estendido em um flash sensacionalista. E eu me incluiria entre eles, tinha certeza até então.
Como ele não tirava os olhos de mim, decidi me precaver e puxei a campainha do ônibus. Se descesse, talvez ele escolhesse uma outra vítima naquela lotação.
Foi quando, pondo um dedo em riste, como se me apontasse um revólver e um outro em gatilho, fez menção de atirar e disparou:
– Bingo! Você é o auotr daquele livro. Maneiro cara! Gostei do estilo como você escreve...
Antes que ele tivesse tempo para algum outro comentário, disse-lhe um obrigado quase - mudo e acenei-lhe brevemente com mão esquerda, enquanto com a direita tentava me desvencilhar de quem estava à minha frente e que atrapalhava a minha saída. Enfim consegui saltar para fora, pé ante pé, nos ínfimos espaços que sobravam para tanto.
E enquanto esperava a próxima condução, que por àquelas horas tardaria, no mínimo, cerca de meia hora, tive bastante tempo para rever os meus conceitos sobre mim mesmo. Tudo veio abaixo, porque concluí que como escritores, somos ilustres desconhecidos íntimos de todos nossos leitores! E o que lhes damos, essa é a verdade, os faz se aproximar cada vez mais de nós, porque nós os invadimos primeiro e, por vezes, mudamos, mesmo sem querer, sem intenções ou pretensões – muito menos autorizações –, o seu jeito de ser.

Um comentário:

  1. bom meu nome é kethilyn eu achei muito enteresante por que ele conta sobre a vida dele e o que ele tenta ser isso foi de mais e muito bonito eu achei linda a história dele

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