domingo, 21 de fevereiro de 2010

Sobre meu pai.



A gente cresce sem ter a noção real de quem são os nossos pais. Com as mães a coisa aparenta ser mais simples, porque elas parecem estar sempre lá, mesmo que por algumas vezes a gente quisesse ficar sozinho, trancados no quarto ruminando as ideias. Mas, pelo que aprendi ao longo da vida, creio que todas as mães guardam semelhanças entre si, onde quer que se encontrem independentemente da cultura, da língua ou de sua religião. Acreditam que podem invadir um pouco as nossas vidas, talvez porque primeiro nós as invadimos e, sem pedir licença, vamos tomando conta da vida e do corpo delas por um bom tempo.
Já com o pai é diferente. Dia desses até vi numa reportagem na tevê que com os exames de DNA os casos de paternidade desconhecida – aqueles em que a certidão de nascimento só vem com o nome das mães e dos avôs paternos (quando não apenas com o da avó) – estão cada vez mais raros. Que bom, não é mesmo? Deve ser uma barra carregar esta dúvida e, talvez, este estigma por toda a vida. Nem consigo imaginar como seria a minha vida sem o meu pai.
Mas o mais engraçado na vida é que a gente só começa a ter a verdadeira noção de quem ele é quando a nossa vida já está tão repleta de tantas outras coisas que parece nem mais haver tempo – ou espaço – para ele. Pode ser o início do reconhecimento da falta que ele faz. É isso! Aí, tentamos colocar as coisas em ordem e a tentar arranjar tempo para as pessoas, porque são elas o que realmente importa em nossas vidas.
Bem, eu era a menininha do papai. Como dizem, há uma magia extra entre pai e filha. Que existe, existe e não dá para explicar. Quase todas as noites ele ia me colocar para dormir. Sentava-se ao lado de minha cama e ficava conversando comigo, quando não inventando histórias, lendo livros – e eu nem tinha ideia de onde provinha tudo aquilo que me enchia de encantamento.
Foi lá pelos 8 ou 9 anos que descobri que ao sair do meu quarto, ele ia para um canto reservado da casa e registrava cada uma das narrativas, seus personagens, cenários e lapidava-as preenchendo de detalhes cada uma daquelas histórias que surgiram minutos atrás.
Só pelos 12 ou 13 anos foi que tomei ciência de que meu pai era o autor daqueles livros. Certa vez, ele foi me buscar no colégio – fazia questão de participar ativamente de minha educação – e recebeu um convite para falar de suas obras e de seu processo criativo para o alunado. Apesar de toda a timidez, como toda a boa vontade bem típica dele, aceitou o convite e proferiu a palestra – o bate-papo, como ele preferia dizer. Acredito que foi a primeira vez que expressei abertamente orgulho de ser sua filha. Com um brilho bem próprio nos olhos, dizia a todos que me perguntavam:
– Sim, é o meu pai!
Decidi, em curiosidade bem comum da adolescência, conhecer este outro lado de sua vida, tão importante para ele. Fiquei encucada: uma dúvida abateu-se sobre mim! Quem era realmente aquele ser que eu chamava tão carinhosamente de pai, de papai? Aquele com quem convivi em seu anonimato ou aquele que se expressava de tantas e diferentes formas, como se fosse muitos, sendo apenas um?
Somente aos 16 anos consegui entender que todos eles eram um só. Consegui, finalmente, perceber em quase toda a extensão e complexidade o que significava ser um escritor. E mais, ser filha de um escritor. Sê-lo tem uma indiscutível sensação, que eu tentaria traduzir assim: hoje, ao lê-lo, seja em que estilo for, prosa ou poesia, sinto-me envolvida e abraçada por suas palavras, pois reconheço que foram colocadas bem ali, justamente para mim. E para toda a eternidade!

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