quarta-feira, 9 de março de 2011

Questão de dom...




Por Antonio Nunes Barbosa Filho (engenheiro por formação, professor universitário por vocação – com doutorado em sua área de atuação – e escritor por paixão, que trabalha arduamente todos os dias, que acredita que ter coragem para trabalhar incessante e constantemente é um dom, e que, infelizmente, ainda não encontrou uma alma extremamente caridosa que diga para ele descansar um pouco, pois esta, com um grande sorriso nos lábios, daqui pra frente, irá gentilmente pagar regularmente algumas de suas contas).


Já que estamos falando de doação, de algo que vem de graça, sem esforço, avisem aí que vou me colocar em posição de espera, afinal já descobri os meus dons: dar aulas, boas aulas, por sinal, o que se revela nas repetidas homenagens semestre após semestre e na capacidade de transmitir conhecimento ou inventar histórias em meus livros infantojuvenis. E tudo, de pronto, se resolverá... Sei não, mas como dizem, acho que vou acabar me acomodando...

Confesso que cheguei a ficar feliz quando alguém me falou que o mundo finalmente estaria entrando em uma nova fase de prosperidade e de compartilhamento integral de benesses para toda a humanidade. Quase vibrei com a notícia! Apesar de meus cabelos brancos ainda guardo no olhar a esperança de uma criança que aguarda ansiosa por um mundo mais justo, mais solidário, no qual milhares de crianças não passem frio e, tampouco, fome.

Contaram-me que um sujeito cheio de boas intenções, vindo lá de Harvard, renomada universidade americana, veio com uma teoria bonita, daquelas que enchem os ouvidos da plateia e os olhos daqueles que fazem questão de não ver, dizendo que daqui pra frente tudo vai ser diferente. Que cada ser humano vai contribuir com o melhor de si em prol da humanidade. E eu, como não podia deixar de ser, fiquei super feliz, afinal sempre soube – ou fizera questão de acreditar – que todas as pessoas, sem uma única exceção, têm um dom que transformará as suas vidas e, com alguma sorte, a vida das outras pessoas. O que falta para cada um de nós é justamente descobrir este dom.

Que bom saber que os maravilhosos jogadores da NBA americana, que têm o magnífico dom da mão certeira, irão dividir os ganhos de seus altos salários com as famílias pobres dos EEUU, que ainda passam fome e não têm seguro-saúde. Que bom saber que os estupendos jogadores das ligas milionárias de futebol espalhadas por todos os continentes do mundo, que têm o fenomenal dom dos dribles sensacionais, das arrancadas insuperáveis e dos gols arrebatadores, irão compartilhar suas casas com os sem-teto de todo o mundo, que não mais irão fazer festas extravagantes, mas que irão destinar os recursos que seriam gastas nestas para o estudo de um sem número de doenças que insistem em se abater sobre populações do mundo inteiro. Que bom saber que os estupendos atores de Hollywood e de outras metrópoles cinematográficas não mais irão gastar seus cachês “trilhardários” com suntuosas casas com muros cobertos de placas do tipo “Caiam fora, aqui vocês não são bem-vindos!”, mas que irão destiná-los, integralmente, a restaurantes populares nas regiões mais pobres do mundo, colocando anúncios bem visíveis “Por gentileza, venham saciar sua fome!”.

E, pelo que me contaram, este senhor de Harvard, acadêmico freelancer (como dizem que ele mesmo se define), ainda defende a total extinção do direito de propriedade intelectual, dos direitos de autor aos relacionados às patentes, sob a égide de que nada mais somos de que meros usuários do conhecimento acumulado ao longo da história da humanidade.

Nisso ele tem razão, tenho que concordar. O mundo seria bem mais justo se todos nós, seres humanos, pudéssemos usufruir de maneira igualitária do conhecimento gerado por toda a humanidade. Seria a sublime realização humana. Não haveria desigualdade entre países e entre povos e também não haveria consumo excessivo em alguns e ínfimo em outros. Realmente entraríamos em um horizonte de sustentabilidade, de plenitude, de uma verdadeira aldeia global. Seria o máximo, não seria? Mas como será que ele vai convencer os seus compatriotas que são os mais ferrenhos defensores dos direitos de criação, que alardeiam aos quatro ventos que os países que não respeitam as Convenções a respeito da Propriedade Industrial não merecem um lugar ao sol? Puxa, e eu que tanto me esforcei para defender o conhecimento desenvolvido na universidade em que trabalho, quando fui seu Coordenador de Transferência de Tecnologia... Acho que este cargo ficará para sempre vago, não tem mais razão alguma de existir. Por fim ou enfim, tudo será de todos. A humanidade será realmente uma e indivisível em matéria de riqueza material.

No mais, me parece que todo o discurso dele se assenta em um pretenso dom. Um dom insustentável. Creio que seja devido a fraqueza ou a franqueza de se definir como acadêmico “frila” (mas será que é do tipo “frila” contratado?) que o coloca em tal saia justa. É, ele tenta, mas não tem nem mesmo este dom, o dom de iludir. Por que, em verdade, em verdade, ninguém em sã consciência acredita que tudo isso tão lindo que ele alardeia terá lugar, não é mesmo? E olha que já faz quase três décadas que ele plantou a semente desta ideia lá nos States, quando publicou o livro “A Dádiva”, em 1983. Parece mesmo que o senhor Lewis Hyde se perdeu no tempo. E não sei bem por que, nestas terras tupiniquins, querem fazer vingar as suas ideias. Seria com algum intuito de vingança? Ou teria sido por alguma desilusão?

Por falar nisso, O dom de iludir é o nome de uma das mais belas músicas do cancioneiro popular, de autoria de Caetano Veloso, a quem devemos, nesta composição, reverenciar por sua atividade criadora em homenagem às mulheres. E na voz de Gal Costa - ainda guardo comigo um LP novinho em folha - é simplesmente sublime! Vale a pena ouvir, no original.

Nenhum comentário:

Postar um comentário