segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O cara...



Por Antonio Nunes

Dorgislando era um sujeito desses que a gente define como... como... Deixe-me ver... Isso: desprovido de ânimo vital, fisicamente esgotado congenitamente. E pior, muito pior: dizem os médicos, com muita propriedade, que não é coisa tão rara de se ver por aí. Então, ponha a mão na consciência e examine suas memórias para ver se você não já encontrou um desses ao longo de sua vida. Todo mundo um dia já cruzou com indivíduos como ele. Não é verdade?

Era daqueles sujeitos que nunca entraram de cabeça em nada. Esforço? Gastar energias pra quê, se outros podem fazer por você? Creio que este é o leitmotiv, o lema de vida dele. Não que seja consciente, é algo mais forte de que ele e pronto! Nem mesmo no momento do próprio nascimento ele colaborou. Ficou lá, quietinho... Pelo que sei, a mãe dele diz que até no momento de nascer o cabra ficou na maciota. Cruzou as pernas, ficou sentadinho esperando a genitora parir – você há de concordar que foi impossível – auxiliada pelos médicos em uma demorada cesariana.

Pelo que parece, ele gostou da posição e dificilmente saía dela. Não dizem que a gente adota naturalmente a posição fetal para descansar, e então? Então, para ele aquilo era extremamente normal: dormir sentado, comer sentado, trabalhar senta... quero dizer... Pausa para meditação: se eu colocar aqui a profissão dele vou acabar sendo processado por uma categoria profissional inteirinha. Então digamos assim: era daqueles que se faziam presente ao ambiente laboral nas terças, quartas e quintas. Isso, isso, ele era um dos famosos TQQ. Daqueles que precisam fazer aquecimento mental na segunda (ou como dizem, sair do modo stand by), se preparam para levantar o que seria preciso fazer na terça (eu disse “seria preciso fazer”), planejam como fazer na quarta, entram em dúvida se aquela é a melhor forma na quinta e que na sexta entram em pré-estágio de hibernação e de recuperação de forças, por que, afinal, ninguém é de ferro. Difícil saber o que eles fazem no sábado e domingo, pois raramente são vistos por aí. Parece que ficam reclusos ao lar, recarregando as baterias, literalmente ligados à tomada até a recarga completa.

Dizem que a elucidação do efeito de “pilha seca” que dá nos aparelhos eletrônicos, aquele em que a carga se esvai rapidamente se a recarga não for feita por completo, foi oriunda da observação dos TQQ. Tá vendo, quem disse que eles eram uns inúteis? Por falar em eletrônicos, eles adoram controles remotos. Tudo o que os faça não fazer esforço tem que fazer parte da vida deles. E desde pequenininhos. Se o seu filho adorar iogurtes, vitaminas ou coisas do gênero, aquilo que pode ser engolido sem o esforço da mastigação, cuidado! Pode haver traços genéticos com o Dorgislando... Dizem que é recessivo. Por pura preguiça esse gene não é dominante!

Pois é, para ele, executar qualquer coisa no gerúndio... Nem pensar. “Ando”, só no nome. Ele bem que comprou uma lambreta, para não ter que andar, é verdade, mas não tirar o capacete nem para tomar banho... Aí foi demais! A esposa – completamente estressada por ter que cuidar da casa, dos filhos, do cachorro e carregar a maleta 007 dele para cima e para baixo – quase surta. Tadinha! Pelo que se sabe, até o carro ela passou a dirigir pra ele.

A gota d’água foi quando ela pediu pra ele dar uma voltinha com o cachorro pelo quarteirão. Ele foi: passou a coleira no animal, colocou a chave na ignição e ligou o carro. Mão esquerda para fora, lá veio o bicho correndo atrás do carro. Quase botando os bofes para fora, é claro... Nunca mais o Totó se animou em dar uma voltinha com ele. Pudera! Dali pra frente não incomodou mais o nosso anti-herói. Pelo contrário, com o rabo entre as pernas o assustado animal fugia dele... Bem que o Dorgislando, de vez em quando, balança a coleira, para fazer média com a patroa...

Esse é o cara! Como diz, resignado, o pobre pai dele: o cara que já nasceu cansado!

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