segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"Das matutun"



Ao estimado amigo Prof. Paulo Régis
Por Antonio Nunes Barbosa Filho



Pense num bicho destemido e determinado que só o caboclo, daqueles bem das brenhas, criado com mingau de farinha e leite de palma forrageira! Pensou? Duvido que encontre outro. E a história que vou contar-lhes a seguir dá bem ideia disso. Foi assim...

Lá para os lados de Depois do Além, naquelas terras que nem o diabo frequenta mais, pois se botar os pés no chão vai queimá-los, visto que antes de conseguir chegar por aqueles sítios, já terá perdido as botas há muitas e muitas léguas passadas, dia desses, nasceu um caboclinho, raquítico, baixinho, todo encolhido, parecendo castanha de caju torrada, coitado, que, como não tinha nada mais interessante pra fazer, já que nem carrinho de osso, daqueles de vértebras da cauda do boi ele tinha pra brincar, adorava olhar pro céu.

Aí, quando já contava com 8 ou 9 anos de idade, maravilhou-se com a chegada da luz elétrica – resultado desses projetos tão necessários, mas que são levados a cabo somente com fins eleitoreiros. A mãe, por sua vez, toda metida com a novidade, tratou logo de mandar o pai das crianças fazer um acordo com o chefe político da região, o coronel Theodomiro – isso mesmo, com TH e tudo mais – pro mode eles ganharem uma televisão em troca do voto garantido dos oito filhos – e mais o dela e o dele, os pais, é claro! – se o acordo fosse firmado e cumprido antecipadamente, pois caboclo pode ser bicho ingênuo, mas besta não é.

Só não votava o Tinoco, aquele quase nada ao qual me referi anteriormente e que, por um aborto da natureza – quer dizer, que por acaso a mãe e mais as cunhadas não conseguiram acertar a mão no chazinho pra fazer essa malvadeza – veio ao mundo quase dez anos mais tarde que o irmão mais próximo dele em idade.

Negócio acertado, televisão instalada na sala, não é que a mãe botou o menino pra ver o antigo Telecurso Segundo Grau logo de cara! E justamente naquele dia estava passando uma teleaula sobre o Sistema Solar. Para dar explicações apareceu o Ronaldo Mourão. Isso mesmo, aquele astrofísico com cabelo todo desgrenhado e que lembra o Einstein.

– Astrofísico! É isso que eu quero ser! – disse a si mesmo, com descomunal convicção o garoto. E mais que cabeça dura, os caboclos são extremamente resignados, não é verdade? E ai de quem duvidasse de que ele não conseguiria sê-lo. Cancão piava...

Como não poderia deixar de ser, alguns anos mais tarde, eis que o nosso menino aporta na Alemanha. Um pouco mais crescido, mas ainda muito mirrado em comparação àqueles homenzarrões germânicos.

Mesmo sem falar uma única gota da língua de Goethe, mas com muita matemática avançada na moleira, ele se dedicou à Física Teórica. Ele não sabia sequer pedir comida no refeitório universitário. Quando tinha fome, passava a mão em círculos sobre o abdômen, hoje menos proeminente do que nos tempos da infância – à custa de alguns anti-helmínticos que recebera de uma tia distante quando fora cursar o ginásio na cidade grande – e batia os braços imitando uma galinha, com direito a cacarejada e tudo mais.

– Afinal, em todos quatro cantos do mundo – que agora ela sabia não ter cantos, aliás, como toda a Via Láctea – tem penosas e se assadas dão um bom galeto! – dizia ele que abominava tudo o que fosse preparado com carne suína, que desde pequeno ele aprendera que era um animal pra lá de imundo.

Apesar dos pesares, o tempo passara e ele, como era de se esperar, alcançara o intento de concluir – com louvor, diga-se de passagem – o doutorado em astrofísica. Mas, para a felicidade dele ser completa, ainda restava-lhe um desejo a ser satisfeito antes do seu regresso ao Brasil, onde universidades públicas e privadas cobiçavam o seu passe, tal qual jogador de futebol famoso: dirigir uma Mercedes-Benz conversível, dessas que aparecem em filmes de James Bond e de outros aventureiros do gênero, numa dessas rodovizinhas de lá. Nessas tais de “Autoban”.

Foi à concessionária, apresentou o passaporte e um bom maço de euros, a duras penas economizado nos últimos ano, e saiu guiando, em test-drive, a toda poderosa, desejada e tão maravilhosa máquina.

Acelerou... pisou fundo, pisou tudo, queria saber até onde poderia chegar aquela obra-prima da construção humana: 120, 160, 180, 22, 260, 280 km/hora... O vento batia no seu rosto, uma incrível sensação de superação e de liberdade tomou conta de si. O mundo era todinho dele.

Foi então que, de repente, sem avisar, uma curva majestosa se aproximou no horizonte. Não deu tempo de mais nada e o que se ouviu foi:

– Aêêêêê... aêêêêê... aêêêêê...

Foi difícil que só achar ele naquele despenhadeiro... Só Deus sabe como!

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