domingo, 17 de junho de 2012

Confissões do Tiozão




Por Antonio Nunes Barbosa Filho

Há muitos dias que a rotina me absorvia as horas e o tempo necessário para as tarefas diárias parecia não caber no período compreendido entre o amanhecer e o despertar seguinte. Havia sempre mais e mais tarefas a me esperar. Queixei-me à minha esposa – que já percebera a situação – que um espaço especial de minha vida estava ficando vazio por aqueles dias: escrever, dar vazão à minha compreensão limitada de vida, por meio dos meus escritos, que ela, bem mais que eu, tanto aprecia. Tento reorganizar a vida, a agenda, os compromissos e me por à frente do computador, para fazer exatamente isto que estou a fazer. Tentar estabelecer a compreensão de vida que a existência me traz. Com o nascimento de minha filha, hoje com 20 meses, busquei reduzir a minha dependência do ato de ler e escrever, tão presentes em meu cotidiano, antes de sua chegada. Não queria perder, dentre tantas coisas imperdíveis, os mágicos momentos que este período da vida de um filho nos traz: as primeiras palavras, cada sorriso quando regresso ao lar e a evolução deste serzinho que vai aprendendo a se mostrar para mim, fazendo-me refletir mais e mais sobre o meu papel em sua vida, bem como para o mundo que ele vai encontrar ao abrir a porta de casa.

E o que isso tudo tem a ver com as confissões do Tiozão aqui? Não seriam confissões de um simples pai de primeira viagem? Não, é bem mais que isso...

Hoje à tarde, quando abri o computador para ver as notas de amigos em uma rede social – em geral animadoras –, me deparei com a triste notícia de que uma ex-aluna (com 20 e poucos anos) tirara a própria vida na madrugada de hoje. E não faz tanto tempo assim, aqui mesmo no prédio onde resido, um outro jovem também preferiu não enfrentar a vida e partiu.

Há algo de muito errado nisso e temos, todos nesta sociedade, o dever de tentar descobrir o caminho correto a trilhar. Há tanta vida para se viver e tantos sonhos para se dar vida!

Em meus quase 20 anos de professor universitário tenho buscado, além de ser meramente docente, escutar os reclamos dos alunos, seja quanto à carreira, seja quanto ao próprio viver. E nesta última condição, tenho ouvido relatos e tentado, em minhas muitas limitações, ajudá-los a compreender suas incompreensões e a tomar as decisões devidas. São vazios, ausências – que não busco preencher, posto que impossível fazê-lo – com os quais busco ajudá-los a conviver melhor, para que possam seguir adiante, se não mais confiantes, pelo menos com menores receios de trilhar os caminhos escolhidos. São viagens de intercâmbio ao exterior, padrastos e madrastas, meios-irmãos, irmãos pela metade, vícios, grana curta, medos, angústias, incertezas, inseguranças, cobranças, início de carreira, ambição desmesurada, (des) amor, um padrão de vida a ostentar, competição exacerbada, valores desprezados, traições, esquecimentos...

Por alguns momentos chego a me indagar se me cabe fazer este papel de pai postiço, de irmão mais velho, se não de conselheiro, pelo menos de bom ouvinte, de tiozão de tantos sobrinhos afetivos que já tive e de tantos outros que virão. E me cala a dúvida quando recebo notícias como a que recebi na tarde de hoje. Talvez se outros mais pudessem adotar, se não pela vida toda, pelo menos por algumas horas ou mesmo minutos, sobrinhos afetivos, a minha tarde de hoje não terminasse com um escrito assim, de desabafo e um tanto de dor, mas como um conto infantil, cheio de alegrias, de esperanças, bem do estilo que gosto de fazer.

Não saberia viver de outra forma, virando as costas para quem percebo necessitar de algum tempo meu, ainda que isto me custe algum tempo em família. Tem nada não, conto com um inabalável lastro, minha esposa, que me diz sempre: – Amo-te deste jeitinho! Esta certeza me faz seguir adiante, ouvindo, calando e tentando ajudar a quem de mim se aproxima pedindo, mesmo sem expressar, socorro, carinho, um mínimo de atenção. E encontrar o limite para tal não é fácil.

E quando recebo críticas, veladas ou não, de que busco me aproximar de meus alunos para ganhar-lhes a admiração, respondo em meu íntimo, que prefiro sê-lo enquanto pessoa, não pelo profissional ou qualquer outra dimensão de minha vida, porque é somente isso o que realmente importa. Pois como disse o coelho a Alice no País das Maravilhas: “Eterno é aquilo que dura um único segundo, mas com tamanha intensidade que se torna inesquecível!”, quem sabe se algum tiozão, primão ou amigão pudesse ter-lhes dado um de seus segundos precisos, talvez estivessem a criar coisas tão belas quanto a sensível “modista” que fora minha aluna em engenharia de produção costumava fazer. Essa juventude precisa dar asas à imaginação e não fechar-se, ainda que repletos em sorrisos, em tristeza e nos entristecer por acharmos que fizemos tão pouco, insuficiente diante do que poderíamos – e deveríamos – fazer.

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