sexta-feira, 13 de abril de 2012

Minha turma de almofadas


Minha mãe estava radiante e o meu pai todo orgulhoso. Afinal, haviam conquistado a tão sonhada casa própria. Ainda havia muitas prestações a pagar, é verdade, mas podíamos dizer, finalmente, que aquela era a “nossa casa”.

Bem que ela ficava no meio do nada. Não tínhamos vizinhos e sequer o ônibus chegava lá. O ponto final mais próximo ficava distante uns bons minutos de caminhada. E como eu era o filho mais novo, por alguns anos, não tive a companhia de amiguinhos na vizinhança com quem brincar, pois tenho apenas dois irmãos: um homem quase dez anos mais velho e uma irmã cuja diferença de idade para mim ultrapassa os dois anos. Não que eles não brincassem comigo, mas os seus interesses eram bem distintos dos meus, pelo que as oportunidades para as brincadeiras comuns eram muito raras. Mesmo para ela, naquela época, estes poucos anos a mais pareciam uma eternidade.

Entretanto, a minha rotina diária ao chegar do colégio – eu estudava pela manhã – resumia-se a tomar banho, almoçar, fazer os deveres escolares e, somente após isso, brincar. E muito!!!

Para suprir a ausência de outras crianças nas redondezas, tratei logo de inventar amigos. As muitas almofadas que a minha mãe fizera com todo zelo para a sala da casa nova foram ganhando nomes e personalidades. E olha que havia almofadas de todos os tipos e cores: quadriculadas, lisas, com ou sem botões, claras, escuras e até um almofadão que ficava em meu quarto e sobre o qual repousava o uniforme escolar ao regressar ao lar. Assim, surgiram: Flávio, Flavinho, André, Ana, Aninha, Loreta, Mônica, Joel e tantos outros mais.

Quando a cobertura das almofadas se estragava e era trocada, de imediato, criava uma história para justificar a nova situação: uma transferência para outro colégio, uma viagem para visitar parentes em outra cidade e, até mesmo, como acontecera comigo, uma nova moradia em outro bairro, muito, mas muito longínquo. Novas personagens sempre entravam em cena. Com aquelas almofadas, aprendi que pessoas vêm e se vão, que entram e saem de nossas vidas, naturalmente.

Perdi a conta de quantas partidas de futebol disputei, quantas aventuras memoráveis vivi ao lado de “minha turma de almofadas”, bem como de quantas leituras partilhamos. Habitualmente, colocava todas as almofadas em círculo e lia para elas. Os meus amiguinhos permaneciam respeitosamente em silêncio para ouvir atentamente cada palavra proferida. Eu me sentia um verdadeiro super-herói, com um poder mais do que especial e que jamais poderia ser retirado de mim. Eu sabia ler! Se bem me lembro, tudo começou em um dia chuvoso. E nunca mais deixei de repetir aquela maravilhosa experiência.

Pois é. Por vezes chovia, chovia forte e ficava impossível aproveitar o amplo quintal ou a garagem dos carros.

E aquela turma, os primeiros destinatários de minhas primeiras criações, tornou-se, tornaram-se companheiros inseparáveis e insuperáveis naquelas tardes e início de noites chuvosas, durante alguns anos. E a sensação se tornou tão gostosa que, muitas vezes, mesmo que um belíssimo sol brilhasse lá fora, preferi permanecer no interior da casa para partilhar com eles os livros que me chegavam às mãos e as histórias que criava, ainda que não as registrasse por escrito. Era um mundo de infinita magia e possibilidades. E do alto dos meus oito anos de idade, a vida não conhecia limites.

Creio que foi justamente ali que, sem que eu pudesse imaginar, nasci como escritor. E ainda hoje, quando rodeado de crianças, para ler as minhas ou histórias de outrem, invade-me a alma a prazerosa sensação de que retornei àqueles dias de minha infância e que recupero todo o significado de coisas boas que ela teve para mim. É, simplesmente, um mágico e indescritível momento. Algo que desejarei renovar por toda a minha vida, sempre.

Com aquela turma de almofadas aprendi ou compreendi duas condições fundamentais para ser escritor:

1) Lidar com a solidão, a reclusão criativa necessária para dar vida aos textos – embora sempre estejamos muito bem acompanhados de agradáveis destinatários imaginários e de personagens os mais diversos;

2) Lidar com o leitor abstrato – aquele não individualizado ou identificado – com quem imaginamos dialogar enquanto escrevemos, para ele e para todos os outros possíveis leitores de nossos escritos.

Então, se eu puder oferecer uma sugestão para vocês, que lêem agora este meu texto – se já não for o caso –, peço para experimentarem esta sensação de partilhar a leitura de um livro com crianças. É, sem dúvida, insuperável o efeito, sobre o nosso coração adulto, de perceber seus olhos brilhando, de encantamento, de comedida ansiedade e na expectativa de descobrirem o final da narrativa, até a próxima história.

E isso, faz um bem danado. Podem acreditar!

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