terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Caçador de liberdade
Por Antonio Nunes (Tonton)
Para o amigo Geraldo Pereira e, também, para o meu próprio pai: médicos e, acima de tudo, humanistas.
Dizem-me os amigos que ser avô me fez um bem danado: que estou com um brilho renovado no olhar e, outra vez, com palavras doces na ponta da língua. Não há como negar.
Perto do final do ano que passou, assistíamos, meu neto mais novo – de apenas seis anos – e eu, a um documentário sobre o trabalho dos entomologistas, que passava em um desses canais por assinatura – imaginem se um programa desses, considerados chatos pela maioria dos cidadãos brasileiros, iria passar na TV aberta.
Besouros, gafanhotos, libélulas e muitos outros insetos mais, cuidadosamente espetados em alfinetes e devidamente catalogados, chamaram-lhe a atenção. Tamanho fora o interesse despertado que me pediu como presente de natal uma rede para que pudesse caçar “aranhas asquerosas” e, assim, começar sua coleção. Dizia ele, enfaticamente, referindo-se às aranhas caranguejeiras com seus espessos e ouriçados pêlos, em posição de defesa.
Entretanto, quando eu tentava me referir a elas de igual modo, ele fazia questão de me corrigir: - É tarântula, vô. Tarântula!
Referir-se a elas daquele modo somente a ele era permitido. Como bom avô, não busquei encontrar explicação para aquela birra. Tem situações que sabemos que nem adianta insistir, não é verdade? O que ele não soube me explicar foi como e onde aprendera aquele adjetivo que ele usava com tanta frequência, quando mencionava as tarântulas: asquerosa, asquerosas. Fazia questão de frisar!
Como toda criança de sua idade que cria uma fixação por um assunto, ele não sossegou enquanto todos na família, em especial seus pais, lhe presenteassem com tudo o que dissesse respeito ao tema. Foi assim que ele ganhou um livro ilustrado sobre os insetos e uma coleção de miniaturas – sabe que algumas são réplicas gigantescas dos bichinhos? Pense nas formigas, nas abelhas e nas moscas, só para exemplificar! – em plástico (reciclado, claro, Made in Taiwan), que ele fazia questão de carregar em uma caixa de sapatos, para cima e para baixo, para todo lugar que fosse. Difícil foi dizer-lhe para não levar consigo estes brinquedos para a escola. Simplesmente ele não prestaria atenção em mais nada estando com aquela caixa em mãos.
Foi então que, num desses acontecimentos típicos da terceira idade, tive um pinçamento do nervo ciático, graças a um mau jeito nas costas conseguido ao atravessar uma avenida – numa corridinha básica – antes que o semáforo de pedestres fechasse e os carros partissem em disparada para cima dos transeuntes.
Resultado: sessões de fisioterapia por sés semanas e quase dois meses caminhando com muita dificuldade e sentindo dores ao sentar, sempre apoiado por uma bengala ancestral. Em realidade, o que mais senti foi não poder cumprir o anteriormente acordado e acompanhar o meu neto em suas “caçadas” pelo horto zoobotânico, conforme havíamos combinado.
Era impossível esconder a tristeza, o meu descontentamento com aquela situação Praticamente passava todo o dia preso a uma cadeira de balanço que me conferia um mínimo conforto. Ou pelo menos, reduzia o meu desconforto.
Foi quando, de modo inesperado, ele me surpreendeu. Trouxe-me às mãos algumas borboletas que havia acabado de caçar em companhia do pai. Disse-me para fazer com elas o que bem quisesse, pois estavam vivas, vivinhas. Bem que ele sabia que iria soltá-las, deixá-las livres, devolvendo-as à natureza, para vê-las partir... Não sabia eu que aquela sensação me conferiria tamanho prazer. Mas ele notara e repetiu o gesto por dois finais de semana seguidos. E juntos, do quintal de minha casa, contemplamos aqueles minúsculos seres ganharem os céus e desaparecerem na amplidão da grande cidade. Sorrisos invadiram os nossos rostos. Abraçamos-nos.
Antes de adentrarmos em direção à cozinha, para um gostoso lanche preparado com todo carinho pela vovó, perguntei-lhe:
- E então, desistiu de caçar tarântulas asquerosas?
- Mas claro, vô! – retrucou.
- É muito melhor ser caçador de liberdade! – completou.
Não foi preciso dizer mais nada, pois tinha toda razão. E eu tive a certeza de que ele levaria consigo aquela decisão por toda a vida.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Prezado Tonton:apesar de (ainda)não ser avô, gostei do texto e "explorando" a cabeça e alma do seu neto, lhe enviarei por e-mail um texto inédito com o qual estou participando de um concurso.
ResponderExcluirEspero q o seu neto leia e goste, pois é para a faixa etária dele.
Prezado Jackson,
ExcluirCreio que ainda estou bastante longe de ser avo, pois a minha filha tem apenas 18 meses. Este texto eh uma permissão poética para p escritor que de colocou no lugar dos vovos a quem dediquei a narrativa.
Abraço,
Tonton