segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

AEILIJ se posiciona a respeito do caso Lobato

Em 1º/9/2010, o CNE divulgou o parecer CNE/CEB nº:15/2010, em relação à obra Caçadas de Pedrinho, que provocou imediatamente um debate por parte dos educadores e intelectuais ligados ao meio literário, sobretudo os pesquisadores da obra de Lobato e escritores de LIJ. Existe grande controvérsia em relação à interpretação do parecer, como se pode constatar pela quantidade de artigos e opiniões divergentes expressas principalmente através da internet. No entanto, a questão está posta no centro das atenções e não há como fugir a ela. De fato, o documento do CNE não propõe o banimento da obra de Lobato das escolas, mas atribui conotações racistas a determinadas expressões utilizadas no referido livro e exige da editora a inserção no texto de apresentação de uma nota explicativa sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos raciais na literatura. O mesmo seria feito em relação a outras obras anteriormente selecionadas para o PNBE e que apresentassem situação semelhante.
Como é do nosso entendimento que a questão não se restringe unicamente ao livro ora focalizado, nós, da AEILIJ – Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil – gostaríamos de deixar claro que:
1. Somos contra a proibição de quaisquer obras literárias, o que inclui os livros de Monteiro Lobato e os de qualquer outro escritor;
2. Somos contra os exageros da imposição do comportamento "politicamente correto", que, embora não sendo fato recente, tem se exacerbado nos últimos anos;
3. Somos contra a censura explícita ou velada e até sua forma internalizada que vem tomando corpo em vários segmentos da sociedade;
4. Somos a favor de expressões artísticas (e não somente da literatura) livres e responsáveis.
Não nos opomos à inclusão, no livro literário, de prefácios ou fichas de leitura, mas defendemos que estes, quando existirem, sejam uma opção editorial e não uma imposição externa, como condição sine qua non para a adoção ou seleção de determinada obra.
Como tudo na vida sempre tem um lado positivo, aproveitamos este ponto positivo no caso Lobato é que a celeuma em torno do referido parecer levantou uma discussão há muito necessária: a questão do politicamente correto ou (in)correto na LIJ. Para quem não sabe, “politicamente correto” é um conceito americano de controle da liberdade de expressão, para a qual tem trazido imensos retrocessos. Hoje existe uma série de restrições, praticamente uma censura velada em relação à LIJ e nós, autores de texto e imagem, associados da AEILIJ, entendemos que qualquer obra literária se constrói a partir da liberdade de expressão artística.
Acreditamos que esse debate pode e deve levantar uma discussão por parte da sociedade e, sobretudo, das escolas e do MEC, em relação ao que deve ou não ser adotado nas escolas. A literatura precisa ser separada da escolarização, no que este aspecto vem aportando de pior. Escolarizar algo pode ser produtivo, mas, se quisermos de fato formar um país de leitores, como pretendia Lobato, precisamos urgentemente rever toda a relação que a comunidade escolar tem com os livros e com a literatura. Lobato e diversos outros autores não podem ser barrados nas escolas porque as pessoas não querem (ou não sabem como) discutir as questões mais profundas da vida. Diversos autores da LIJ brasileira sofrem este tipo de censura. Ou por parte das editoras, que muitas vezes ficam preocupadas com o que pode ou não ser dito em um livro, por receio da possível dificuldade de adoção, ou simplesmente por parte das escolas, que impedem que temas como folclore, sexualidade, morte, drogas e afins entrem em sala de aula, tudo porque são temas mais delicados que discutem a vida em sua essência. Mas nem sempre as pessoas querem discutir a vida ou muitas vezes nem possuem uma ideia formada sobre tais temas. Com frequência, livros maravilhosos e bem escritos são barrados na escola porque apresentam a vida como ela é, sem fingimentos.
Histórias em que, por exemplo, uma adolescente engravida numa noite em que se embriagou, muitas vezes não encontram espaço no debate escolar porque, alega-se, podem estar incentivando a gravidez precoce, mesmo que o livro vá exatamente na contramão, mostrando as graves consequências da situação. Livros que falam sobre morte ou mesmo suicídio também são recordistas no quesito “barrados no baile”, porque os mediadores de leitura não sabem muito bem como lidar com as dúvidas e os questionamentos dos leitores: crianças e jovens. Enfim, todas as questões que são nossas, as do Homem, acabam sendo vetadas ou mutiladas pela imensa fragilidade de que se sente acometida a sociedade quando deve discutir esses assuntos com seus jovens e suas crianças.
O que foi colocado em pauta nesses últimos dias, muito mais do que uma “recomendação negativa” ao livro Caçadas de Pedrinho, foi a liberdade do leitor em fazer escolhas e a possibilidade de refletir sobre o cotidiano da sociedade, com suas mazelas e idiossincrasias. Afinal, Shangrilá, por enquanto, só existe na ficção.
Por tudo isso, e pelo que ainda possa vir por aí, a AEILIJ tem como palavra de ordem: “Pela Democratização da LITERATURA no Brasil”.