domingo, 22 de novembro de 2009

A última bala...



Eu sempre tive uma queda por mulheres uniformizadas.
Vai dizer que uma enfermeira ou aeromoça nunca fez parte de seus sonhos?
Pois é, quando vi Rosicléa de peito estufado – tal qual um peito de pombo -, colete à prova de balas dependurado naquela bela carcaça, mãos nos quartos ladeando o trabuco e um vermelho batom nos lábios carnudos, desfilando por entre as mesas do mercado, onde, naquela tarde de sábado, eu dividia um maravilhoso arrumadinho de charque e algumas cervejas com amigos, disse a mim mesmo:
– Ainda dou um trato nessa morena! – e não errei.
Sabe como é né, ponteei-a daqui, dali, troquei olhares, sorrisos discretos e, num sábado desses, alcancei o meu intento.
Rapaz, não foi fácil não. Ela se achava a última bala. Mas, com jeitinho, não tem mulher durona que não baixe a guarda. E não deu outra! Ela foi minha, quer dizer... Quando estava bem instalado na cama dela, no cafofo dela, não é que começou um tiroteio nas redondezas?! Aí o dever falou mais alto e ela partiu, sem dizer adeus, para cumprir fielmente o mister de proteger a população. Nunca mais a vi, nem a tive em meus braços...
Uma última bala a atingiu em cheio. Pelo lado, em seu flanco desprotegido. Só foram me encontrar algemado ao espelho da cama depois dos três dias em que ela ficou na UTI e lhe foram buscar roupas para o velório. Claro que permaneci ao seu lado até que descesse à última morada.
Pelo menos eu posso dizer que perdi o emprego por causa de uma mulher... Quem disse que eu tive coragem de contar o que realmente aconteceu? Melhor deixar pra lá, não é mesmo?
E ainda ganhei a fama de viúvo da heroína...
Aí, sabe como é que é né, uma desavisada aqui, outra ali, a gente conta uma história triste, enfeita a coisa, pede colinho, faz cara de pobre moço, desamparado... Vale tudo. Menos algemas, é claro!

Há penas...

Rapaz! Pense numa saia justa que passei dia destes...
Descobri que tinha um amigo resignado em ser um ex-gay.
Explico! Ele estava disposto a reverter o negócio. Quer dizer, deixar a irmandade. Ah, você diz fraternidade? Bem, deve ser porque conhece melhor a coisa do que eu. Mas, convenhamos: isso não é de maior interesse agora. Abafa o caso!
Até que ele vinha bem na fita. Tinha deixado de fazer mechas acaju no cabelo, já não malhava por horas só pra espiar pros lados e já tinha desistido das baladinhas exclusivas nos apês de Boa Viagem. Ele até tinha me convencido a acompanhá-lo a um terapeuta – dessas coisas que a gente só pede a um amigo em quem confia muito. Fiquei lisonjeado pacas! –, mas teve uma recaída.
Foi no domingo passado. Íamos pela “avenida” em direção ao Recife Antigo. Encontraríamos amigos em um café. Não nos lembramos do que teria lugar por lá naquelas horas. A parada, muito movimentada, estava a dez mil, como dizia ele nos tempos de outrora. Foi necessário apenas que ele rememorasse a efusiva alegria do colorido arco-íris que ele saltou do carro e liberou geral.
Afinal, onde há penas, há penas...
E, por vezes, galinhas. Ou melhor, frangos depenados. Fazer o quê?

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Bobinho...


Dizem que as coisas acontecem porque tinham que acontecer, porque estava escrito nas estrelas ou coisa do gênero. Podem acreditar! Não existe verdade maior em toda a face da Terra, nem em todas as galáxias. Quando as coisas, ou melhor, os astros conspiram, nada pode, mas nada mesmo, força nenhuma pode antagonizar em intensidade, impedir... Como dizia minha santa avozinha: – É o destino, é o destino...
E foi assim que tudo aconteceu...
Eu era amigo de carne e unha, se bem que mais de unha que de carne, de Lili, a mais fogosa dançarina do “La Touche”, a melhor e mais bem frequentada casa de shows de toda a região. Alta, loura – oxigenada, como as demais, é claro! –, pernas torneadas, emolduradas por finíssimas meias 7/8, seios semi-rígidos, vigorosamente suportados por espartilho, de couro preto, brilhante, como se acabasse de ser lubrificado. Errr..., quero dizer, lustradíssimo! Coisa de profissa.
Ela era pura sedução! Que homem não gostaria de por as mãos naquele corpão?!? E eu tinha a felicidade de dormir com ela quase todos os dias. Eu disse: quase!
Dividíamos a kitinete que o senador mantinha pra ela bem no centro da cidade, distante de todos os olhares curiosos. Éramos inseparáveis. Quase! Com exceção àqueles dias em que o guarda costas do todo-poderoso senhor da Lili, um brutamontes, me expulsava dali, para que partilhassem de alguns momentos de privacidade.
Ao final de tudo, coitada, ela ficava ali, jogada, consumida. Ele nos deixava algum dinheiro na mesinha de cabeceira e ia embora com ares de animal saciado. E ela, infeliz, sentia-se a última das mulheres, a pior delas. Afinal, tudo o que ela mais queira era sair dali, talvez para o apartamento dele, à beira-mar. Então, como seu fiel amigo e conselheiro, eu tentava trazê-la de volta à realidade. Melhor aquilo que pastorear cabras esqueléticas pelos tórridos sertões de onde viera.
Ela se recolhia, chorava, borrava a maquiagem, que por vezes espalhava com furor pelo rosto, até encontrar repouso, outra vez, em meus braços, que estavam sempre ali: reconfortantes e acolhedores, como ela mesma dizia. Eu a levava para o banho, fazia uma comidinha esperta e, por vezes, devolvia-lhe o sorriso e algum ânimo para viver. Desta feita, refeita, à custa de meu muito “blá-blá-blá”, ela voltava a ser o passarinho gorjeante dantes.
Ao final da noite, começava a cachear os cabelos, primeiro à quente, com uma baby-bliss – ah, esqueci que nem todo mundo sabe do que se trata! Calma, explico: é uma espécie de canetinha aquecida, na qual a gente enrola o cabelinho e... voilá! – e concluía a tarefa depois com uns bobinhos, pequenininhos, que ao cumprirem a missão – diga-se de passagem, quase impossível – a deixavam com feições de ternurinha. Acho mesmo que aquele era o maior encanto dela, não só para o senador, mas para todos os homens que a cortejavam. E íamos dormir, juntinhos, bem aconchegadinhos, de conchinha!
Foi então que, naquela noite, não sei por que, de brincadeirinha, pedi para ela também cachear os meus. Era verão, calor de 35º C. E olha que já era quase meia-noite. Como estava de moda naqueles dias, ela foi passear no calçadão da praia. Pôs maiô e disse que estava batendo vontade de pular umas ondinhas para agradecer à Iemanjá. Eu, feito pó, preferi ficar entregue, coberto dos pés à cabeça, curtindo o meu ventiladorzinho.
Ela, vejam só, pasmem: nesse dia, encontrou um alguém maravilhoso! E ainda dizem que não existe amor à primeira vista, ao primeiro encontro, química de peles... Que a amou e a ama incondicionalmente. Virou madame. Frequenta os melhores shopping centers do país. É mãe de família, dedicadíssima. Frequenta o high-society e as festas do grand monde. Usa jóias verdadeiras, bolsas e sapatos de grife. Tudo caro pra chuchu. Só não usa peles de animais por que a minha amiga sempre foi ecologista. Mas com ela, não tem tempo ruim nem orçamento curto. Casou com um empreiteiro, muito bem relacionado e com trânsito livre em todos os poderes, em todos os palácios, inclusive na Capital Federal, sem restrições...
Ah, você está curioso quanto à mim? Quanta gentileza... Tá, eu conto, mas seja discreto, por favor. Uso relógio importado, legítimo – nada de genérico comigo –, ando de carro conversível importado e moro numa cobertura à beira-mar. Onde? Na Avenida Atlântica, oras. Onde mais? Tudo porque o senador voltou para fazer as pazes com ela e foi logo encaixando com quem estava de cabelos cacheados sob os lençóis...
Ah, gente, quem não tem um bobinho como o meu não se estabelece!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Sonetinho canino nos Poemas que latem



Com o "Sonetinho canino" que fala da amizade de um cachorro e de um menino, em sua evolução da infância à vida adulta, Antonio Nunes (Tonton) participa da coletânea "Poemas que latem - os mais belos poemas sobre cães", que será lançado pela Editora Nova Alexandria.
Vocês todos estão convidados para o lançamento, conforme abaixo:
No próximo dia 18 de novembro, quarta-feira, às 19h30, na Livraria da Vila da Fradique e no dia 28 de novembro, sábado, às 15h00, no Pet Center Marginal, em São Paulo, a Editora Nova Alexandria lança o livro Poemas que latem ao coração!. Organizado por Ulisses Tavares e apresentado por Luisa Mell, este livro reúne poesias sobre cachorros e traz 50 poetas como, Olavo Bilac, José Paulo Paes, Carlos Nejar, Astrid Cabral, Glauco Mattoso, Luís Pimentel, Domingos Pellegrini, Jorge Miguel Marinho, Celso de Alencar, Marcelo Tápia, Luiz Roberto Guedes, Álvaro Alves Faria, Hamilton Faria, Ricardo Soares, Renata Paccola, Ricardo Corona, entre outros.

Nas ocasiões haverá sessões de autógrafos com Ulisses Tavares, Luisa Mell e alguns dos poetas que participam desta antologia. O Pet Center Marginal fica na avenida Presidente Castelo Branco, 1795, no Pari, em São Paulo, tel.: (11) 2797-7400, e a Livraria Da Vila fica na rua Fradique Coutinho, 915, na Vila Madalena, em São Paulo, tel.: (11) 3814-5811.
Quem sabe vocês me encontrarão por lá. É esperar para ver.
Abraços, da terra do frevo e do maracatu, Tonton.

Sensibilidade em flor

Altamirando era um cara que tinha tudo para dar certo com as mulheres. Era sensível, cultivava flores e gostava de presenteá-las àquelas. Não raro recebia cartões de amor, bem mais que meros agradecimentos. Alguns eram verdadeiras seduções em palavras. Mas, as palavras, era algo que ele sabia manipular magistralmente. Talvez em razão de ter sempre em mãos livros dos melhores poetas nacionais e, não raro, dos maiores do mundo. Muitos deles premiados com o Nobel e outras premiações menores, entretanto não menos importantes. E uma delas, das agraciadas com a sua gentileza, acreditou firmemente que lhe conquistara o coração. E então, dedicara-lhe todas as atenções, nunca mais voltando o olhar para outro espécime do sexo masculino.
Ele, como sempre, costumeiramente lhe oferecia flores acompanhadas de pequenos bilhetinhos. Poéticos, é claro!
Um dia ela fez aniversário. Ele enviou-lhe flores e um cartão desejando-lhe que vivesse em um jardim. Outro dia ela adoeceu. Ele enviou-lhe mais flores e o desejo de que tivesse muitas primaveras em seu viver. Restabelecida, ela não suportou mais conter sua paixão e foi ter com ele. De súbito, faleceu. Dizem que enfartou ao saber que somente receberia dele não mais que flores e algumas palavras de gentileza.
E ele não perdeu a oportunidade. Enviou-lhe as últimas flores, de despedida e o bilhetinho:
- Enfim, adubo!




A mulher sem identidade


Para as trabalhadoras anônimas do Brasil, mães, operárias e, acima de tudo, guerreiras!

Josefina era uma escrava doméstica. Não que trabalhasse em casa alheia, mas em seu próprio lar. Laborava de sol a sol para atender os caprichos de seu marido e de seus quatro filhos. Difícil era a vida daquela mulher humilde, resignada em seu destino naquela sociedade patriarcal e notadamente machista. Não sabia ela que, com seus mimos para cada um dos rebentos, reproduzia e alimentava em moto contínuo aquele modo de vida sem o qual não encontrava razão para sua pobre existência.
Até que um dia, ela resolveu dar fim a tudo aquilo. Como não tinha grande coragem para enfrentá-los, esperou o cair da noite e todos adormecerem para ganhar a estrada já na madrugada. Como sabia que seria caçada tal qual um animal selvagem – de que, há muito, não se afastava –, ganhou o mundo embrenhando-se na mata. E como não tinha nem experiência e nem conhecimentos para vencer aquele desafio, tampouco dinheiro para eventuais necessidades, acabou por falecer de fome, frio e sede. Tudo ao mesmo tempo. Seu corpo foi encontrado dias depois. Mas não foi reconhecido, sequer identificado...
Faltavam-lhe as digitais – e ela nunca havia ido a um dentista, não havia registro qualquer de sua arcada dentária. As linhas da mão e dos dedos ela havia perdido na soda cáustica do grosso sabão que usava na limpeza domiciliar, roupas, pratos, banheiro e chão.
Afinal, sempre fora uma mulher sem identidade...